Ilustração: Fernando Vilela
Diante de tamanha
falta de delicadeza, a Antônio só restava botar sua máquina nas
costas, pegar Karina pela mão e ir-se embora pro seu canto.
Não sei de onde
ainda tirou coragem pra apresentar seu derradeiro argumento:
“Esperem. O tempo há de passar e então vocês vão ver se eu não
vou chegar lá, de hoje a 25 anos, seis meses e 17 dias exatos, aqui
no meio da praça, por volta do meio-dia.”
Uma prova
indiscutível, a de Antônio, com o único defeito que só ia servir
dali a muito tempo.
Paciência.
Os dois saíram de
cabeça levantada, sem se importar com calúnia ou risadagem, eita
povinho pra cometer injustiça era aquele.
Já em casa, depois
de matarem a saudade sem nenhuma pena da coitada, Antônio e Karina
atravessaram três dias conversando, ela só ouvindo e ele só
contando.
Assim como ficou
famoso, Antônio foi logo sendo esquecido.
Só se lembravam
dele poucas vezes por dia, na hora do café, ou na hora de dormir,
ora sem a menor consideração, ora com a maior curiosidade.
E o mais engraçado
não foi justamente isso?
Acreditando ou não
na sinceridade de Antônio, por via das dúvidas todo mundo ficou com
vontade de conhecer o seu próprio destino. Primeiro vinha um, em
seguida outro, eles todos indagando por notícias do futuro e a todos
eles Antônio respondia.
Contou que no meio
da praça ia nascer um pé de caju que daria flor o ano todo, que
onde tinha a estação iam construir um cinema, e que ali, onde agora
ficava a bica, ia ter até estátua de Antônio.
Anunciou que, no
futuro, medo tinha virado lenda, falta tinha virado sobra, Nordestina
tinha virado livro, palavra tinha virado fato e alegria tinha virado
moda.
Fez saber, a quem
se mostrava interessado, que lá na frente as noites eram sempre
claras devido à enorme quantidade de luzes.
Preveniu a vizinha
do lado, a senhora abandonou de vez esse negócio de cozinhar pra
fora, dedicou-se ao corte e costura e tornou-se pessoa bem-sucedida.
Avisou pro fiteiro
que este tinha ingressado na Marinha.
Pra quem se
considerava desiludido, Antônio surpreendeu a todos contando a
quantidade de feito que eles haviam de fazer ainda.
Tudo quanto era
moça vitalina queria saber de uma coisa somente e algumas ficavam
muito felizes. “Você casou, sim. Teve até cinco meninas.” “Já
você casou sete vezes e estava com cara que ia completar uma dezena
ainda.”
Pra uma mãe
recém-parida com o menino no braço, Antônio disse sorrindo: “Seu
filho também há de se chamar Antônio e será Ministro da Fazenda”,
no que a mãe correu até o cartório pra ver se chegava a tempo de
impedir que o pai o registrasse Edmílson.
Dona Nazaré foi a
única que não quis saber o seu destino, “Se ele quisesse que eu o
conhecesse, se apresentava mais cedo”, e toda vez que tocavam no
assunto tapava os ouvidos e saía cantando.
O tempo foi
passando no seu próprio tempo, seis meses, um ano, dez anos, e deu
de acontecer algo muito interessante. Mesmo duvidando que aquilo
fosse verdade, o povo se agradou tanto das histórias que se pôs a
copiar as ideias de Antônio.
Cada um foi
arrumando sua própria vida de acordo com o que ele contava: “Como
é que eu não pensei nisso antes? Mas olhe que burrice a minha”,
cada qual mais decidido a ser feliz a todo custo.
Foram, bem aos
pouquinhos, fazendo o mundo ficar assim, ficar assado, justo como
Antônio dizia, até que foi ficando igualzinho.
De vez em quando se
ouvia um comentário:
“Veja só que
coincidência, mas não é que aconteceu mesmo o que Antônio disse?”
No meio da praça
plantaram um pé de caju com mania por flor de nascença, a aparição
de luz novata na noite deu pra afugentar o medo do escuro, a vizinha
do lado dedicou-se ao corte e costura, o fiteiro decidiu ingressar na
Marinha, um monte de desiludidos por vida se decretou fazedor, a mãe
de Antônio Domingos de Lima, ex-Edmílson, obrigou o filho a varar
não sei quantas noites estudando economia.
Depois os
comentários foram virando conversa, que foram virando assunto, que
foram virando palestra, até que não se falava em outra coisa no
mundo e não havia quem tomasse decisão nenhuma sem ouvir Antônio
primeiro.
Quanto mais o tempo
passava, mais o mundo se parecia com o que Antônio contava. Virou
contador, Antônio, quem diria?
Adriana Falcão,
in A máquina
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