Neste mar o Capitão
Birobidjan flutua imóvel, meio afogado. Do cais os homenzinhos
contemplam-no em silêncio.
A mão de
Birobidjan bate em algo duro: a quilha de um barco. Instantaneamente
reanimado, ele sobe a bordo do pequeno veleiro.
Não há ninguém.
O Capitão prepara-se para partir. Um dia haverá de desenhar-se
assim: de pé, na proa, a cabeça erguida, o olhar penetrante
sondando a escuridão; um dia, quando houver tempo para a arte. Agora
há muito o que fazer. Tem de voltar, subir o estuário do Guaíba,
atracar em Porto Alegre e chegar ao Beco do Salso. Ali, no lugar que
ele um dia chamou Nova Birobidjan, tornará a reunir os companheiros
e dirá, com voz firme, mas tranquila: — Iniciamos neste momento a
construção de uma nova sociedade.
É preciso voltar.
Mayer Guinzburg, Capitão Birobidjan, iça sua bandeira no mastro e
prepara-se para navegar.
Colocaram Mayer
Guinzburg na maca de rodas. A enfermeira o levou ao Setor de
Atendimentos Externos; deixou-o por um instante no corredor e entrou
para falar com o médico residente.
— Está aí um
paciente...
Um grito
interrompeu-a; correram para o corredor. Encontraram o homem com a
cabeça jogada para trás, os olhos esgazeados, os lábios roxos. O
médico auscultou-o rapidamente. “Parada cardíaca!” — gritou.
Tentou afrouxar as correias que prendiam o paciente; não
conseguindo, subiu na maca e pôs-se a massagear o tórax. — “A
senhora está esperando o quê?” — gritou para a enfermeira, que
continuava imóvel, paralisada de susto. — “Me ajude aqui! Faça
a respiração boca a boca!” Ela vacilou um instante; trepou na
maca, colou os lábios na boca murcha e começou a soprar com fúria.
Mais enfermeiras chegavam correndo; o médico dava ordens: chamem o
anestesista, instalem soro, coloquem o desfibrilador...
Já quatro ou cinco
pessoas trabalhavam sobre o corpo inanimado, quando repentinamente a
maca pôs-se em movimento. O médico perdeu o equilíbrio e caiu. A
maca desapareceu no fundo do corredor escuro.
— Aonde é que
ele vai? — gritou alguém.
— Para Nova
Birobidjan! — grita o Capitão.
Os homenzinhos
aplaudem com entusiasmo. O Capitão ultima os preparativos. Logo
estará pronto.
A maré subirá, a
vale se enfunará, o barco partirá. O Capitão Birobidjan faz-se ao
mar.
Moacyr
Scliar, in O exército de um homem só
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