Turim
é uma joia não só por causa da paisagem e da história do
Piemonte. Além de estar situada num dos mais belos lugares da
Europa, é uma cidade marcada pela presença de grandes poetas e
narradores.
Cesare
Pavese nasceu ali perto, em Santo Stefanno Belbo, “nelle
Langhe”, onde o vinho Barbaresco e a paisagem de colinas
embriagam o corpo e os olhos.
Pavese,
que cantou Turim em Lavorare stanca [Trabalhar cansa], criou
uma teoria poética inspirada na paisagem, que é indissociável da
história, como revelam os poemas da série Paisagem.
Há
algo de mágico nessa cidade que foi a primeira capital da Itália
unificada e sede do primeiro parlamento. Não me refiro apenas ao
saboroso café e aos Cafés (bares), ao Museu Egípcio, ao Porta
Palazzo — um dos maiores mercados ao ar livre da Europa —, à
igreja Gran Madre, à Piazza Castello, ao Palazzo Madama e ao Cinema
Romano, próximo da casa onde Nietzsche morou, escreveu Ecce homo
e endoidou.
Refiro-me
também às numerosas arcadas que inspiraram a pintura metafísica do
surrealista De Chirico; e também ao livro Eremita em Paris,
de Italo Calvino, nascido em Cuba, mas filho da Liguria.
Ao
contrário de muitos escritores, Calvino considerava Turim — e não
Paris — a cidade ideal para quem quer escrever. E tinha bons
motivos para afirmar isso. Ele morou dezessete anos em Turim, onde
escreveu alguns de seus melhores romances e trabalhou como editor na
Einaudi. Num livro envolvente como um bom romance, I migliori anni
della nostra vita [Os melhores anos da nossa vida], o escritor
Ernesto Ferrero — que também participou da história da Einaudi —
narrou o ambiente literário, político e artístico de Turim, na
época áurea em que a mitológica Einaudi tornou-se um marco de
cultura e resistência por onde passaram alguns dos maiores poetas e
prosadores da Itália contemporânea.
Se
num dia ensolarado um viajante atravessar a ponte sobre o rio Pó e
subir o Monte dei Capuccini para contemplar a cidade e a Mole
Antonelliana, certamente vai concordar com Calvino. A visão lá do
alto rivaliza com todos os encantos nas margens do rio Pó e na
imensidão do parque Valentino.
O
suicídio de Primo Levi e de Cesare Pavese deu algo de trágico à
história contemporânea de Turim, que, à semelhança de Bolonha,
abrigou grandes intelectuais da esquerda italiana, de todos os
matizes: Gramsci, Calvino, Pavese, Natalia Ginzburg… E ainda
Norberto Bobbio, que viveu os últimos anos de sua vida na via
Sacchi, próximo da estação de Porta Nuova.
Em
1936, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, ao traçar suas
primeiras impressões sobre o Brasil Central, escreveu: “a
manifestação de um entusiasmo tem sempre o direito de esperar
guarida”.
É
com esse entusiasmo em compasso de espera que vou visitar Turim, que
só conheço por meio dos livros e das descrições do cineasta e
poeta Wiliam Farnesi, um brasileiro apaixonado por essa cidade, que o
adotou.
Milton
Hatoum, in Um solitário à espreita
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