quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Noite de moqueca

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A jia saltara para o peito de Quincas. Ele a admirava, não tardou a guardá-la no bolso do velho paletó sebento.
A lua cresceu sobre a cidade e as águas, a lua da Bahia em seu desparrame de prata entrou pela janela. Veio com ela o vento do mar, apagou as velas, já não se via o caixão. Melodia de violões andava pela ladeira, voz de mulher cantando penas de amor. Cabo Martim começou também a cantar.
Ele adora ouvir uma cantiga...
Cantavam os quatro, a voz de baixo do Negro Pastinha ia perder-se mais além da ladeira, no rumo dos saveiros. Bebiam e cantavam. Quincas não perdia nem um gole, nem um som, gostava de cantigas.
Quando já estavam fartos de tanto cantar, Curió perguntou:
Não era hoje de noite a moqueca de Mestre Manuel?
Hoje mesmo. Moqueca de arraia – acentuou Pé-de-Vento.
Ninguém faz moqueca igual a Maria Clara – afirmou o Cabo.
Quincas estalou a língua. Negro Pastinha riu:
Tá doidinho pela moqueca.
E por que a gente não vai? Mestre Manuel é até capaz de ficar ofendido. Entreolharam-se. Já estavam um pouco atrasados pois ainda tinham de ir buscar as mulheres. Curió expôs sua dúvidas:
A gente prometeu não deixar ele sozinho.
Sozinho? Por quê? Ele vai com a gente.
Tou com fome – disse Negro Pastinha.
Consultaram Quincas:
Tu quer ir?
Tou por acaso aleijado, pra ficar aqui?
Um trago para esvaziar a garrafa. Puseram Quincas de pé. Negro Pastinha comentou:
Tá tão bêbedo que não se aguenta. Com a idade tá perdendo a força pra cachaça. Vambora, paizinho.
Curió e Pé-de-Vento saíram na frente. Quincas, satisfeito da vida, num passo de dança ia entre Negro Pastinha e cabo Martim de braço dado.
Jorge Amado, in A morte e a morte de Quincas Berros D’água

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