Eu
estava de sentinela, afastado um quarto-de-légua, num alto retuso.
Dali eu via aquele movimento: os homens, enxergados tamanhinho de
meninos, numa alegria, feito nuvem de abelhas em flôr de araçá,
esse alvoroço, como tirando roupa e correndo para aproveitarem de se
banhar no redondo azul da lagoa, de donde fugiam espantados todos os
pássaros ― as garças, os jaburús, os marrecos, e uns bandos de
patos-pretos. Semelhava que por saberem que no outro dia principiava
o peso da vida, os companheiros agora queriam só pular, rir e gozar
seu exato. Mas uns dez tinham de sempre ficar formando prontidão,
com seus rifles e granadeiras, que MedeiroVaz assim mandava. E, de
tardinha, quando voltou o vento, era um fino soprado seguido, nas
palmas dos buritís, roladas uma por uma. E o bambual, quase
igualmente. Som bom de chuvas. Então, Diadorim veio me fazer
companhia. Eu estava meio dúbito. Talvez, quem tivesse mais receio
daquilo que ia acontecer fosse eu mesmo. Confesso. Eu cá não
madruguei em ser corajoso; isto é! coragem em mim era variável. Ah,
naqueles tempos eu não sabia, hoje é que sei! que, para a gente se
transformar em ruim ou em valentão, ah basta se olhar um minutinho
no espelho ― caprichando de fazer cara de valentia; ou cara de
ruindade! Mas minha competência foi comprada a todos custos,
caminhou com os pés da idade. E, digo ao senhor, aquilo mesmo que a
gente receia de fazer quando Deus manda, depois quando diabo pede se
perfaz. O Danador! Mas Diadorim estava a suaves. ― Olha, Riobaldo ―
me disse ― nossa destinação é de glória. Em hora de desânimo,
você lembra de sua mãe; eu lembro de meu pai... Não fale nesses,
Diadorim... Ficar calado é que é falar nos mortos... Me faltou
certeza para responder a ele o que eu estava achando. Que vontade era
de pôr meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos dele,
ocultando, para não ter de tolerar de ver assim o chamado, até que
ponto esses olhos, sempre havendo, aquela beleza verde, me adoecido,
tão impossível.
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
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