“Um
homem não pode ser chamado culpado
antes da sentença do
juiz, e a sociedade só pode retirar-lhe a proteção pública após
ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi
concedida. Qual é, pois, o direito, senão o da força, que confere
ao juiz o poder de aplicar uma pena a um cidadão, enquanto perdure a
dúvida sobre sua culpabilidade ou inocência? Não é novo este
dilema: ou o delito é certo ou incerto; se é certo, não lhe convém
outra pena que não a estabelecida pelas leis, e são inúteis os
tormentos, pois é inútil a confissão do réu; se é incerto, não
se deve atormentar um inocente, pois é inocente, segundo as leis, um
homem cujos delitos não estejam provados. Mas digo mais: é querer
subverter a ordem das coisas exigir que um homem seja ao mesmo tempo
acusador e acusado, que a dor se torne o cadinho de verdade, como se
o critério dessa verdade residisse nos músculos ou nas fibras de um
infeliz. Esse é o meio seguro de absolver os celerados vigorosos e
de condenar os inocentes fracos. Eis aqui os fatais inconvenientes
desse pretenso critério da verdade, digno de canibais, que os
romanos, bárbaros a mais de um título, reservavam tão-somente aos
escravos, vítimas de uma virtude tão feroz quanto louvada.”
Cesare
Beccaria, in Dos delitos e das penas
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