terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Um velho dilema

Um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só pode retirar-lhe a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi concedida. Qual é, pois, o direito, senão o da força, que confere ao juiz o poder de aplicar uma pena a um cidadão, enquanto perdure a dúvida sobre sua culpabilidade ou inocência? Não é novo este dilema: ou o delito é certo ou incerto; se é certo, não lhe convém outra pena que não a estabelecida pelas leis, e são inúteis os tormentos, pois é inútil a confissão do réu; se é incerto, não se deve atormentar um inocente, pois é inocente, segundo as leis, um homem cujos delitos não estejam provados. Mas digo mais: é querer subverter a ordem das coisas exigir que um homem seja ao mesmo tempo acusador e acusado, que a dor se torne o cadinho de verdade, como se o critério dessa verdade residisse nos músculos ou nas fibras de um infeliz. Esse é o meio seguro de absolver os celerados vigorosos e de condenar os inocentes fracos. Eis aqui os fatais inconvenientes desse pretenso critério da verdade, digno de canibais, que os romanos, bárbaros a mais de um título, reservavam tão-somente aos escravos, vítimas de uma virtude tão feroz quanto louvada.”
Cesare Beccaria, in Dos delitos e das penas

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