Não,
é mais que um pedido. Eu estou implorando. Estou implorando que você
não beba tanto. Alguma bebida, sim, porque você precisa de sentir
um amparo e, em vez de amparo humano, escolheu por pudor a bebida.
Mas tenho medo do que me dizem de você. Que você está bebendo três
vezes mais do que bebia. Eu imploro que você não encurte a vida.
Viva. Viva. É difícil, é duro, mas viva. Eu também estou vivendo.
Em nome do Deus no qual você profundamente crê, monge que você é,
beba menos.
Não
tem sido nada fácil para mim. Acredite.
Deus
Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte?
Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me
ajude. Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou
precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou
precisando da minha própria força. Sou forte mas também sou
destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói
os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já
que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não
mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma
coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E
também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho.
Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro
de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem
farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e
infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde
demais.
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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