domingo, 17 de janeiro de 2016

Um pedido

Não, é mais que um pedido. Eu estou implorando. Estou implorando que você não beba tanto. Alguma bebida, sim, porque você precisa de sentir um amparo e, em vez de amparo humano, escolheu por pudor a bebida. Mas tenho medo do que me dizem de você. Que você está bebendo três vezes mais do que bebia. Eu imploro que você não encurte a vida. Viva. Viva. É difícil, é duro, mas viva. Eu também estou vivendo. Em nome do Deus no qual você profundamente crê, monge que você é, beba menos.
Não tem sido nada fácil para mim. Acredite.
Deus Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude. Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou precisando da minha própria força. Sou forte mas também sou destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais.
Clarice Lispector, in A descoberta do mundo

Nenhum comentário:

Postar um comentário