segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O peixe e o pássaro

Estava estudando fora do Brasil (início da década de 1970), no Instituto Pedagógico da França, era bolsista e comecei a sentir saudade do Brasil.
Morava perto de um jardim que tinha um lago. No fim de semana, sentava-me neste jardim para ler e sentia saudade do Brasil, de comer feijoada, de dormir na cama com lençol passado, dos meus amigos.
Nunca pensei em ser escritor. Um dia, pensei: por que você não pensa em uma coisa que nunca pensou? E tinha o lago e sempre vinha um peixe e botava a cabeça do lado de fora. Havia várias gaivotas que mergulhavam no lago e tornavam a sair. Comecei a olhar aquilo e a pensar que cada coisa tinha um lugar. Se o peixe saísse fora da água, morreria afogado no ar. Mas se a gaivota ficasse dentro da água, morreria afogada. Comecei a olhar os dois elementos da natureza e descobri uma coisa que achei bonita: tanto o peixe quanto o pássaro não deixa rastro por onde passa. Não ficam caminhos. Ele chega, se instala naquele lugar e todo vazio é caminho. E toda a água é caminho. Fiquei encantado com o peixe e o pássaro por não deixarem rastro.
Então, escrevi o texto O peixe e o pássaro para aliviar a minha saudade. Quando volto ao Brasil, entro em um concurso — a primeira edição do prêmio João de Barro, da Prefeitura de Belo Horizonte. Mandei meu texto e ganhei o prêmio. Não sabia que era escritor. Ganhei o prêmio e fiquei feliz, pois tinha um dinheiro. Fiquei mais feliz ainda porque um dos jurados era a Enriqueta Lisboa, que me telefonou para dar a notícia. Ela quis me conhecer e ficamos muito amigos.
Havia um crítico literário no Jornal do Brasil que se chamava Dom Marcos Barbosa. Ele leu O peixe e o pássaro escreveu uma crônica, aconselhando o Carlos Drummond de Andrade a ler o meu livro, pois era uma receita para viver no mosteiro.
Esse foi um texto que escrevi para mim mesmo. Para me fazer carinho naquela solidão que sentia em Paris. Hoje, brinco muito ao afirmar que escrevemos para fazer carinho na gente. Tem horas que a única coisa que posso fazer por mim é escrever. Fazer um pouco de carinho em mim.
Bartolomeu Campos de Queirós, in Palestra no Teatro do Paiol, Curitiba – PR

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