O
universo corporativo se arma de cartilhas cheias de clichês que
testam, se repetem para doutrinar e gerar ganância. Fomentam a
competição que, contraditoriamente, se disfarça em filosofia de
equipe. A mensagem subliminar é uma só e reflete o fim maior do
capitalismo: vença pelo meu lucro, não pelo seu.
Precisei
de quase meio século para aceitar a diferença entre amigos da onça
e amigos do peito. Sim, quase 50 anos para entender a distância
entre o colega de baia e o companheiro incondicional. Com o
companheiro, com o amigo, não existe vácuo.
Meio
século para descobrir que ser solidário não depende do amor, da
amizade, do coleguismo e nem da proximidade. Solidariedade é um
substantivo que nos qualifica, que nos diferencia das bestas, que nos
distingue das feras. Solidarizar-se é um gesto que ampara e nos
civiliza.
Amadureci
quando tirei do dicionário a palavra lealdade e assimilei o seu
significado. Lealdade é um tipo de fé e só alcançam a fé os que
não perderam a nobreza da índole. Mente quem é amigo de todos.
Foram
quase 5 décadas trabalhando em corporações de grande porte e
multinacionais para descobrir que o mundo corporativo reverte homens
em canibais e que na filosofia de equipe não cabe a mão estendida
que salva, é mais comum a que empurra. Nas grandes empresas, o
horizonte se confunde com o abismo. Você pode escolher ser tolo e
sentimental, pode socorrer a quem demonstrar necessidade, pode ajudar
um desempregado a se recolocar. Sim, você pode ser poeta, mas não
escutará eco em versos. Caso perca o emprego, não se surpreenda se
aqueles a quem apoiou o negligenciem e ofereçam como precária
sugestão o endereço eletrônico do “vagas.com”. Porém, não
ceda a generalizações, não imagine que o tudo é feito de bestas
ingratas. As bestas sabem onde habitam.
Então,
como um náufrago desencantado, você decide fundar sua própria
ilha. Renuncia ao convívio com as feras, rejeita ter o seu caráter
estuprado por um carimbo na carteira de trabalho e embarca numa nau
aventureira em busca do Eu que o sustenta. O universo se reduz, os
amigos minguam, a solidão alvorece e o dinheiro não terá o mesmo
fluxo. Um processo que mostra, de repente, um sítio que se resume ao
mínimo, somente ao que você pode realmente enxergar, somente ao que
você toca e àquilo que o toca também. A verdade se limita ao
necessário, o resto é o sólido que se desmancha no ar.
Você
percebe que está envelhecendo e que a maioria dos amores foram vãos.
Percebe que passou longos intervalos esquecendo-se do amor próprio,
de amar a si mesmo. Você poderia arrepender-se, mas aprendeu ser
pragmático. O tempo à frente é um oceano aberto e você o navega
consciente da última lição.
Estabelecido
em sua ilha, você olha ao redor e constata que os amigos são menos
intensos do que a solidão, que os amores não são eternos, que o
dinheiro é melhor quando serve à plenitude e não ao luxo. Ser leve
preserva o sonho de voar. Na sua própria ilha, você tem menos
amizades, menos grana e ilusões infantis. No entanto, consegue
avistar a terra de uma ponta à outra e crê ver nisso uma tremenda
vastidão. Você não teme mais que o abraço do outro abrigue um
punhal, você não sente o peso dos grilhões.
Seu
mundo se tornou real e a paz ganha contorno de flores. O que chamam
de felicidade, você descobre que é o aroma da terra molhada, de
chuva e de sol que colorem um arco-íris sempre inesperado. A vida
pode ser pequena, mas a alma não.
Alexandre
Coslei, in lounge.obviousmag.org
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