Eu
sei que ela é uma cor e um som. Se pudesse mostrá-la a você!
Dormia
ali, nua, abraçando as próprias pernas. Eu amava nela a alegria de
animal jovem e ao mesmo tempo amava o pressentimento da decomposição,
porque ela havia nascido para desfazer-se e eu sentia pena que
fôssemos parecidos nisso. Mostrava a pele do ventre, que parecia
raspada por um pente de metal. Essa mulher! Algumas noites saía luz
de seus olhos e ela não sabia.
Passo
as horas procurando-a, sentado na frente do cavalete, mordendo os
punhos, com os olhos cravados numa mancha de tinta vermelha que
parece ao entusiasmo dos músculos e a tortura dos anos. Olho até
sentir que meus olhos doem e finalmente creio que começo a sentir,
no escuro, as pulsações da pintura crescendo e transbordando, viva,
sobre a tela branca, e creio que escuto o ruído dos pés descalços
sobre a madeira do chão, sua canção triste. Mas não. Minha
própria voz avisa: “A cor é outra. O som é outro”.
Levanto,
e cravo a espátula nessa víscera vermelha e rasgo a tela de cima
para baixo. Depois de matá-la, deito de boca para cima, arfando como
um cão.
Mas
não posso dormir. Lentamente vou sentindo que volta a nascer em mim
a necessidade de pari-la. Ponho o casaco e vou beber vinho nos
botecos do porto.
Eduardo
Galeano, in Mulheres
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