segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A Comala, para conhecer meu pai


E o que traz o senhor a Comala, se é que se pode saber? — ouvi que me perguntava.
Vou ver meu pai — respondi.
Ah! — disse ele.
E voltamos ao silêncio.
Caminhávamos ladeira abaixo, ouvindo o trote ecoado dos burros. Os olhos arrebentados pelo torpor do sono, no forte calor de agosto.
Decerto vai ter festança — tornei a ouvir a voz do que ia ali, ao meu lado. — Vai ficar contente de ver alguém depois de tantos anos sem aparecer ninguém por aqui.
E acrescentou:
Seja o senhor quem for, ele vai ficar alegre de vê-lo.
Na reverberação do sol, a planície parecia uma lagoa transparente, desfeita em vapores por onde se transluzia um horizonte acinzentado. E mais além, uma linha de montanhas. E mais além ainda, a mais remota lonjura.
E como é o seu pai, se é que se pode saber?
Não o conheço — respondi. — Só sei que se chama Pedro Páramo.
Ora, veja!
Pois é, me disseram que é esse o nome dele.
Ouvi de novo um “Ah!” do tropeiro.
Eu havia topado com ele em Los Encuentros, onde se cruzavam vários caminhos. Fiquei ali esperando, até que finalmente aquele homem apareceu.
Para onde o senhor está indo? — perguntei a ele.
Vou descendo, senhor.
Conhece um lugar chamado Comala?
Pois é para onde estou indo.
E eu o segui. Fui atrás dele tratando de me emparelhar com seu passo, até que pareceu perceber que eu o seguia e diminuiu a pressa de seu andar. Depois nós dois íamos tão próximos que nossos ombros quase se tocavam.
Eu também sou filho de Pedro Páramo — ele me disse.
Uma revoada de corvos passou, cruzando o céu vazio, fazendo “cuar, cuar, cuar”.
Depois de varar os montes, descemos cada vez mais. Havíamos deixado o ar quente lá de cima e fomos nos afundando no puro calor sem ar. Tudo parecia estar à espera de alguma coisa.
Faz calor aqui — eu disse.
Pois é, mas isso não é nada — respondeu o outro. — Fique tranquilo. Quando chegarmos a Comala, o senhor vai ver o que é calor forte. Aquilo fica em cima das brasas da terra, bem na boca do inferno. Digo eu que muitos dos que morrem por lá, quando chegam ao inferno voltam para buscar um cobertor.
O senhor conhece Pedro Páramo? — perguntei.
Eu me atrevi a perguntar porque vi nos olhos dele uma gota de confiança.
Quem é ele? — tornei a perguntar.
O rancor em pessoa — respondeu ele.
E deu uma chibatada nos burros, sem necessidade, pois os burros iam muito na nossa frente, encarreirados por causa da descida.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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