— E
o que traz o senhor a Comala, se é que se pode saber? — ouvi que
me perguntava.
— Vou
ver meu pai — respondi.
— Ah!
— disse ele.
E
voltamos ao silêncio.
Caminhávamos
ladeira abaixo, ouvindo o trote ecoado dos burros. Os olhos
arrebentados pelo torpor do sono, no forte calor de agosto.
—
Decerto vai ter festança — tornei a
ouvir a voz do que ia ali, ao meu lado. — Vai ficar contente de ver
alguém depois de tantos anos sem aparecer ninguém por aqui.
E
acrescentou:
— Seja
o senhor quem for, ele vai ficar alegre de vê-lo.
Na
reverberação do sol, a planície parecia uma lagoa transparente,
desfeita em vapores por onde se transluzia um horizonte acinzentado.
E mais além, uma linha de montanhas. E mais além ainda, a mais
remota lonjura.
— E
como é o seu pai, se é que se pode saber?
— Não
o conheço — respondi. — Só sei que se chama Pedro Páramo.
— Ora,
veja!
— Pois
é, me disseram que é esse o nome dele.
Ouvi
de novo um “Ah!” do tropeiro.
Eu
havia topado com ele em Los Encuentros, onde se cruzavam vários
caminhos. Fiquei ali esperando, até que finalmente aquele homem
apareceu.
— Para
onde o senhor está indo? — perguntei a ele.
— Vou
descendo, senhor.
—
Conhece um lugar chamado Comala?
— Pois
é para onde estou indo.
E
eu o segui. Fui atrás dele tratando de me emparelhar com seu passo,
até que pareceu perceber que eu o seguia e diminuiu a pressa de seu
andar. Depois nós dois íamos tão próximos que nossos ombros quase
se tocavam.
— Eu
também sou filho de Pedro Páramo — ele me disse.
Uma
revoada de corvos passou, cruzando o céu vazio, fazendo “cuar,
cuar, cuar”.
Depois
de varar os montes, descemos cada vez mais. Havíamos deixado o ar
quente lá de cima e fomos nos afundando no puro calor sem ar. Tudo
parecia estar à espera de alguma coisa.
— Faz
calor aqui — eu disse.
— Pois
é, mas isso não é nada — respondeu o outro. — Fique tranquilo.
Quando chegarmos a Comala, o senhor vai ver o que é calor forte.
Aquilo fica em cima das brasas da terra, bem na boca do inferno. Digo
eu que muitos dos que morrem por lá, quando chegam ao inferno voltam
para buscar um cobertor.
— O
senhor conhece Pedro Páramo? — perguntei.
Eu
me atrevi a perguntar porque vi nos olhos dele uma gota de confiança.
— Quem
é ele? — tornei a perguntar.
— O
rancor em pessoa — respondeu ele.
E
deu uma chibatada nos burros, sem necessidade, pois os burros iam
muito na nossa frente, encarreirados por causa da descida.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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