quinta-feira, 20 de junho de 2024

A Contadora de Filmes | [22]


Nos dias em que não podia ir ao cinema porque passavam algum “só para maiores de 21”, não havia nenhum problema. Como eu tinha uma memória que a gente podia chamar de cinematográfica, repetia os filmes de maior êxito durante a semana. Naqueles dias, como todos os adultos iam ao cinema, a casa se enchia só de crianças e de algumas velhinhas que chegavam praguejando contra “esses filmes porcos” que o agente de filmes trazia para o cinema.
No entanto, para nós os melhores dias eram aqueles em que não havia função no cinema da Mina. Isso acontecia de vez em quando, e por diferentes razões:
Porque o filme não havia chegado.
Porque o projetor tinha quebrado.
Porque o Manco Filmeiro estava adoentado.
Essa última razão queria dizer que ele havia ficado tão bêbado que ninguém tinha conseguido levá-lo até o cinema, nem mesmo num carrinho de mão, como aconteceu certa vez, conforme nos contava meu pai.
Foi a vez em que passavam um filme de Jorge Negrete. O cinema estava lotado e o operador não aparecia. Alguém contou que o tinha visto dormindo uma bebedeira, na mesa do bar. Então, uns rapagões, coligados com o gerente do cinema, foram buscá-lo, o puseram num carrinho de mão e o levaram pelo meio da rua principal. Chegando no cinema, o arrastaram até a sala de projeção. E lá o despertaram aos tabefes, molharam sua cara e o obrigaram a passar o filme.
Quando o cinema não abria, eu escolhia um filme mexicano para contar, desses cheios de canções, que eram os favoritos do público. Naquelas ocasiões a casa se enchia tanto que não sobrava nada além de um espaço muito estreito para que eu me mexesse.
Essas sessões com muito público eram as melhores para mim. Meu pai comentava que eu tinha uma espécie de pânico de palco ao contrário. Uma espécie de “êxtase de palco”, dizia rindo. Pois quanto mais gente me ouvia e via, melhor eu contava o filme. Como desfrutava com aqueles aplausos do público ao final das minhas narrações!
Naquela altura já tinha começado a cumprimentar o público feito as atrizes de teatro, que eu, é claro, só havia visto em filmes.
Ao terminar, enquanto as pessoas explodiam em aplausos, entrava correndo no quarto ao lado, esperava um pouquinho, respirava fundo e tornava a sair e a cumprimentar com aquela reverência de meio corpo que eu adorava fazer.
Havia ocasiões em que as pessoas me faziam voltar até três vezes.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

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