domingo, 25 de fevereiro de 2024

Hollywood | 40



Alguns dias depois, fomos à sala de montagem. Jon Pinchot e a montadora Kay Bronstein estavam atarefados.
Jon puxou algumas cadeiras para nós.
Vou te mostrar o copião. Ainda está muito grosso, você sabe. Ainda tem muito trabalho a fazer.
A gente entende – disse Sarah.
A gente quer fazer justiça ao seu filme – disse Kay. – Eu o adoro mesmo!
Obrigado – eu disse.
Estamos mixando a música agora – disse Jon. – Friedman e Fischman estão em Londres fazendo um novo acordo. Telefonam quatro ou cinco vezes por dia, berrando: “PAREM A MIXAGEM! PAREM A MIXAGEM!”. Eu finjo não entender. Escolhemos umas músicas sensacionais, mas os direitos vão sair muito caros. Friedman e Fischman querem que eu use música enlatada, que não custará nada, mas é terrível. Arruinaria o filme! Por isso estou mixando boa música junto com a trilha sonora, pra não poderem tirar depois...
Você já fez um filme nessas condições? – perguntei.
Não. Não existe ninguém como esses dois caras. Mas eu amo eles!
Ama eles?
É, parecem crianças. Têm coração. Mesmo quando tentam cortar a garganta da gente, têm um certo calor. Eu preferiria mil vezes negociar com eles do que com os advogados de corporações que dirigem quase tudo em Hollywood.
Jon desligou as luzes e ficamos vendo.O filme aparecia numa pequena tela, parecendo um aparelho de TV. Passavam os créditos. Depois, vinha meu nome. Eu fazia parte de Hollywood, pelo menos por um pequeno instante. Era culpado.
A coisa rolava bem. Não vi nada errado.
Eu gosto, eu gosto – disse.
Temos uma coisinha aqui – disse Jon.
Então chegou a cena em que Jack e Francine se conhecem. Estão sentados na ponta do balcão de um bar. Ele pagou alguns drinques para ela, que os emborcou de vez. Jack se senta com meia garrafa de cerveja. Com a mão direita, afasta a garrafa e diz: “É isso aí”. “É isso aí o quê?”, pergunta Francine. Ele então explica que não tem mais dinheiro, está quebrado, não pode pagar mais bebidas.
NÃO! NÃO! – eu berrei. – OH, SANTO CRISTO, NÃO!
Jon parou o filme.
Que foi?
Os alcoólatras que virem isso vão nos expulsar da cidade às gargalhadas.
Que é que há?
Um bebum jamais afastaria uma meia garrafa de cerveja e diria: “É isso aí”. Ele acabaria a garrafa até a última gota, e então diria: “É isso aí...”
Hank tem razão – disse Sarah. – Também notei isso...
Eu fiz cinco tomadas dessa cena, e achei que esta era a melhor...
Jon, eu me senti afrontado quando vi ele empurrar aquela garrafa pro lado, doeu, foi como um tapa na cara!
Acho que tem uma cena em que tem apenas um restinho na garrafa de cerveja...
Mesmo um restinho é muito, mas por favor use essa, se tem mesmo – eu disse.
Era o que podia acontecer, quando se tinha um diretor não alcoólatra e um ator que detestava bebida, e os dois trabalhavam no mesmo filme. E um escritor alcoólatra, que preferia estar nas corridas a estar no set.
Vimos o resto do filme.
Jon acendeu as luzes.
Que tal? Quer dizer, ainda está muito grosso, você sabe...
A música e o trabalho de câmera foram sensacionais – disse Sarah.
Baby, que tal o texto? – perguntei.
Chinaski está bom como sempre – ela disse.
Obrigado – eu disse.
Todo o elenco e a equipe tinham sempre você em mente – disse Kay –, mesmo quando você não estava lá.
Ah – eu disse.
Mas, Hank, que foi que você achou? – perguntou Jon.
Gostei do desempenho de Jack. Acho que Francine precisa de um pouco mais de óleo nas juntas.
Francine estava muito boa – disse Jon. – O filme realmente ganha vida quando ela aparece.
Talvez. De qualquer modo, estou feliz por fazer parte do filme e do grande retorno dela...
Assim, para comemorar nossos bons sentimentos, trancamos a sala de montagem, tomamos o elevador e saímos para a rua, entramos no meu carro e fomos comer. Não no Musso’s desta vez, mas num lugar mais perto, um restaurante cerca de oito quadras a oeste. Era curioso, eu pensava, como as coisas se fazem. Apenas um dia de cada vez, dia após dia, e então, lá estava. Num certo sentido, eu me sentia como se ainda não tivesse escrito o argumento. Não escreveu, diria um crítico, enquanto não perceber o ruim e o óbvio em seu texto. Mas qual era a diferença entre um crítico de cinema e um espectador de cinema? Resposta: o crítico não precisava pagar.
Encoste ali – disse Jon –, é o lugar!
Encostei.

Charles Bukowski, in Hollywood

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