Era gente que só a
praga, e chegando mais, de um, de dois, de dez.
Cada casa de
Nordestina virou hotel, cada quintal virou acampamento, e haja comida
praquele povo todo. Nunca se mataram tantos bodes, fora as galinhas,
e, na falta dessas, qualquer criatura de Deus que se prestasse a
guisado.
E era tanta palavra
pelo mundo contando o que estava acontecendo, palavra francesa,
japonesa e italiana, que não sobrava palavra nenhuma pra se comentar
outro assunto.
Tudo virou Antônio
e Antônio virou de tudo.
Virou nome de
estrela no céu, nome de filé à moda, virou até nome de gripe, uma
gripe chamada Antônio. Virou nome de todo menino que nasceu naquele
tempo.
Antônio José do
Nascimento.
Antônio Péricles
de Souza.
Antônio Pedro
Barbosa de Almeida, que depois virou só Tonho.
Antônio Viana de
França, que depois virou Toinho.
Antônio Benedito
de Azevedo, que depois virou bandido.
Antônio Gonçalves
da Silva, que depois virou artista.
Antônio Domingos
de Lima, que depois virou ministro.
Os oito dias se
passavam e ele trancado, pois construir uma máquina da morte não é
fácil, não, o cabra tem que possuir muita geometria.
Karina vinha
diariamente implorar “Faça isso não”, e ele, “Faço, pois já
dei minha palavra”, e ela chorava, e ele dizia: “Pra que tanta
agonia se eu só vou dar uma chegadinha no futuro e volto logo?”
“Volta logo como, se o futuro é muito longe?” “Não vou tão
longe assim, não. Vou andar somente uns 25 anos pra frente,
exatamente o tempo que tenho pra trás, contando do dia que nasci até
o dia de minha partida.” Aí é que ela se agoniava ainda mais:
“Isso tudinho?” “Nem um dia a mais, nem um dia a menos, eu
prometo, Karina. Vou apenas multiplicar minha idade por dois, depois
desmultiplico e pronto.” Qualquer argumento, por melhor que fosse
este, jamais seria suficiente pra sossegar o coração de Karina. Por
isso, só pra distraí-la, convencê-la e acalmá-la, ou então só
pra se amostrar mesmo, Antônio ia contando suas histórias pra
multidão que se juntava na porta da casa.
Ia desafiando a
morte enquanto ela nem resposta dava.
Adriana Falcão,
in A máquina
Nenhum comentário:
Postar um comentário