terça-feira, 15 de outubro de 2024

Os Nascimentos | 1547 – Valparaíso

A despedida

Zunem as moscas entre os restos do banquete. Nem o muito vinho nem o bom sol adormecem os comilões. Esta manhã, os corações batem apressados. Debaixo da folhagem, frente ao mar, Pedro de Valdívia diz adeus aos que vão partir. No fim de tanta guerra e fome nas terras bravias do Chile, quinze de seus homens se dispõem a regressar à Espanha. Alguma lágrima roda quando Valdívia recorda os anos passados juntos, as cidades nascidas do nada, os índios domados pelo ferro das lanças:
Não me sobra outro consolo – se inflama no discurso – além de entender que vais descansar e gozar o que bem merecido tem, e isso alivia, em parte pelo menos, o meu penar.
Não longe da praia, as ondas acalantam o navio que os levam ao Peru. De lá, viajarão ao Panamá; através do Panamá, ao outro mar, e depois... Será longo, mas o que estica as pernas sente que já está pisando as pedras do cais de Sevilha. A bagagem, roupa e ouro, está na coberta desde a noite anterior. Três mil pesos de ouro levará do Chile o escrivão Juan Pinel. Com seu maço de papéis, uma pluma de ave e um tinteiro, seguiu Valdívia como uma sombra, dando fé de cada um de seus passos e força de lei a cada um de seus atos. Várias vezes roçou a morte. Esta fortuninha sobrará para remediar a sorte das filhas donzelas que esperam pelo escrivão Pinel na distante Espanha.
Estão os soldados sonhando em voz alta, quando de repente alguém dá um pulo e pergunta:
E Valdívia? Onde está Valdívia?
Todos se precipitam para a beira do mar. Saltam, gritam, erguem os punhos.
Valdívia aparece, cada vez menor. Lá vai, remando o único bote, rumo ao navio carregado do ouro de todos.
Na praia de Valparaíso, as maldições e as ameaças soam mais forte que o barulho das ondas.
As velas se inflam e se afastam rumo ao Peru. Vai-se Valdívia em busca de seu título de governador do Chile. Com o ouro que leva e o brio de seus braços, espera convencer os que mandam em Lima.
No alto de um rochedo, o escrivão Juan Pinel aperta a cabeça e ri sem parar. Morrerão virgens as suas filhas na Espanha. Alguns choram, vermelhos de raiva; e o corneteiro Alonso de Torres desafina uma velha melodia e depois arrebenta seu clarim, que é o que lhe restou.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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