sexta-feira, 18 de junho de 2021

A dança de Zorba


Ergui a cabeça. Ouvi o passo de Zorba saindo da galeria. Pouco depois eu o vi aproximar-se, a face alongada, fechada, seus grandes braços se balançando, como descolados.
Boa noite, patrão! — disse ele, mal abrindo a boca.
Salve, amigo. Como foi o trabalho hoje?
Não respondeu.
Vou acender o fogo — disse ele — e fazer o jantar.
Tomou um monte de lenha no canto, saiu, dispôs artisticamente os pedaços de madeira entre as duas pedras e acendeu. Apanhou a caçarola de barro, encheu com água e jogou dentro tomates, cebolas, arroz e começou a cozinhar. Enquanto isso, eu punha um guardanapo sobre a mesa redonda e baixa, cortava fatias de pão e enchia de vinho a cabaça ornada de desenhos, que tio Anagnosti nos tinha dado logo que chegamos.
Zorba se havia posto de joelhos diante da caçarola, olhava o fogo com os olhos dilatados, e ficava em silêncio.
Você tem filhos, Zorba? — perguntei bruscamente. —
Por que pergunta? Tenho uma filha.
Casada?
Zorba começou a rir.
Do que está rindo, Zorba?
Isso não se pergunta — disse ele. — claro que casada. Ela não é idiota. Eu trabalhava numa mina de cobre, em Pravitsa, na Calcídia. Um dia, recebo uma carta de meu irmão Yanni. É verdade, havia me esquecido de dizer-lhe que tenho um irmão, um homem de peso, sensato, caloteiro, usuário, hipócrita, um homem como se deve ser, pilastra da sociedade. Ele é quitandeiro em Salônica. “Alexis, meu irmão, escrevia-me ele, tua filha Frosso tomou o mau caminho, ela desonrou o nosso nome. Ela tem um amante e teve um filho com ele, lá se foi a nossa reputação. Vou até a aldeia para degolá-la.”
E o que fez você, Zorba?
Zorba balançou os ombros:
— “Ora! Mulheres!” disse eu ao acabar de ler, e rasquei a carta.
Mexeu o arroz, pôs sal e riu.
Mas espere que você ainda não viu o melhor. Dois meses depois recebo eu do cretino do meu irmão uma segunda carta. “Saúde, alegria, meu querido irmão Alexis!” escrevia o imbecil. “A honra retomou seu lugar, pode agora levantar tua fronte, o homem do qual lhe falei esposou Frosso!”
Zorba voltou-se e me olhou. À luz de seu cigarro eu via seus olhos brilharem. Balançou ainda os ombros:
Ora! Homens! — disse ele com um desprezo enorme. E logo depois:
O que se pode esperar das mulheres? — disse. — que façam filhos com o primeiro que passar. O que se pode esperar dos homens? Que caiam na armadilha. Tome nota disso, patrão.
Tirou a caçarola do fogo e nos pusemos a comer.
Zorba havia retornado às suas reflexões. Uma preocupação o atormentava. Ele me olhava, abria a boca, fechava-a de novo. À luz da lamparina de azeite eu via nitidamente seus olhos aborrecidos e inquietos.
Não aguentei mais.
Zorba — disse-lhe eu, — você tem alguma coisa para me dizer. Diga logo. Você está com dor de barriga. Pode botar para fora!
Zorba ficou calado. Apanhou uma pedrinha e lançou-a com força pela porta aberta.
Largue as pedras e fale!
Zorba esticou seu pescoço enrugado.
Você tem confiança em mim, patrão? — perguntou ele, ansioso, olhando-me nos olhos.
Tenho, Zorba — respondi. — não importa o que fizer, você não consegue enganar a você mesmo. Você é como o leão ou como o lobo. Essas feras não se comportam nunca como carneiros ou jumentos, elas não se afastam de sua natureza. Você também: você é Zorba até as pontas do cabelo.
Zorba balançou a testa:
Mas, eu não sei mais onde diabo vai parar! — disse ele.
Deixe que eu sei, não se preocupe. Vá em frente.
Diga mais uma vez, patrão, para que eu tome coragem! — gritou ele.
Vá em frente!
Os olhos de Zorba brilharam.
Agora posso falar — disse. — há alguns dias tenho um grande projeto na cabeça, uma ideia maluca. Vamos fazê-la?
E você ainda pergunta? Mas, se é para isso que viemos aqui: para realizar ideias.
Zorba alongou o pescoço, olhando-me com alegria e medo:
Fale direito, patrão! — gritou ele. — nós não viemos aqui por causa do carvão?
O carvão é um pretexto, para que as pessoas não fiquem curiosas. Para que nos tomem como sábios empreendedores e não nos recebam com legumes podres. Compreendeu, Zorba?
Zorba ficou de boca aberta. Ele procurava entender, não ousava acreditar em tanta felicidade. Subitamente viu claro. Precipitou-se sobre mim, segurando-me os ombros:
Sabe dançar? — perguntou com paixão. — sabe dançar?
Não.
Não?
Ele deixou cair os braços, estupefato.
Bom — disse. Ao cabo de um momento. — então eu vou dançar, patrão. Sente-se o mais longe que puder, para que eu não o machuque. Ohe! Ohe!
Deu um salto, irrompeu para fora do barracão, chutou seus sapatos para o ar, arrancou colete, camisa, enrolou a calça nos joelhos e pôs-se a dançar. Seu corpo, ainda sujo de carvão, estava todo negro. Seus olhos brilhavam, todos brancos.
Jogou-se à dança, batendo as mãos, erguendo-se no ar, fazendo piruetas, voltando ao chão com os joelhos dobrados, como se fosse de borracha. De repente, ele atirava-se para o alto como se quisesse vencer as leis da natureza e sair voando. Sentia-se nesse corpo cheio de vermes a alma em luta para empolgar a carne e jogar-se com ela nas trevas, como um meteoro. Ela sacudia o corpo que tombava, não podendo mantê-lo no ar por muito tempo; ela o impulsionava de novo, impiedosa, dessa vez um pouco mais alto, mais o coitado caía, arquejante.
Zorba franzia as sobrancelhas, sua face havia tomado um ar inquietante grave. Não gritava mais. Com as mandíbulas cerradas ele se esforçava para atingir o impossível.
Zorba! Zorba! — gritei. — já chega!
Tinha medo que de repente o velho corpo não resistisse a tanto ímpeto e explodisse em mil pedaços aos quatro ventos.
Podia gritar à vontade. Como poderia Zorba ouvir os gritos da terra? Suas entranhas se haviam transformado nas de um pássaro.
Seguia com ligeira inquietação a dança selvagem e desesperada.

Nikos Kazantzakis, in Zorba, O Grego

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