sexta-feira, 10 de julho de 2020

O particular e o universal

Um cronópio ia escovar os dentes junto ao seu terraço, e possuído de imensa alegria ao ver o sol da manhã e as maravilhosas nuvens que corriam no céu, apertou demais o tubo do dentifrício e este começou a sair em forma de uma longa fita rósea. Após cobrir sua escova com uma verdadeira montanha de pasta, o cronópio percebeu que ainda sobrava uma grande quantidade, então começou a sacudir o tubo na janela e os pedaços de pasta cor-de-rosa caíam do terraço para a rua, onde vários famas estavam reunidos para comentar as novidades municipais. Os pedaços de pasta cor-de-rosa caíam nos chapéus dos famas, enquanto lá em cima o cronópio cantava e esfregava os dentes cheio de contentamento. Os famas ficaram indignados diante daquela incrível inconsciência do cronópio e resolveram nomear uma delegação que o interpelasse imediatamente. A delegação integrada por três famas subiu à casa do cronópio e o interpelou, dizendo-lhe assim:
Cronópio, você estragou os nossos chapéus, pelo que terá de pagar.
E depois, com mais força ainda:
Cronópio, você não devia desperdiçar assim a pasta de dentes!
Julio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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