Quando
a carne de porco e as batatas estavam prontas, as famílias
sentaram-se ao redor da comida, no chão, e começaram a comer.
Estavam silenciosos e olhavam para o fogo. Wilson, que acabava de
arrancar uma fatia de carne com os dentes, suspirou de satisfação.
— É
bom a gente comer carne de porco — disse.
— A
gente tinha dois porcos — esclareceu o pai —, e achamos que era
melhor a gente comer eles duma vez. Vender não adiantava; dava muito
pouco dinheiro. Depois que a gente se acostumar com a viagem e a mãe
puder fazer pão, bem, então vai ser bom mesmo; vamo poder admirar a
paisagem sabendo que tem duas barricas de carne na bagagem. Faz
quanto tempo que o senhor e sua mulher estão viajando?
Wilson
limpou os dentes com a língua e palitou os resíduos.
— Nós
não tivemos sorte — falou. — Já faz três semanas que estamos
fora de casa.
— Meu
Deus, e nós queremos estar na Califórnia dentro de dez dias!
Al
interrompeu-o:
— Não
sei, pai. Com esse carregamento pesado não vai ser fácil assim,
talvez a gente nunca possa chegar até lá. Principalmente se tiver
montanhas pela frente.
Silenciaram
todos em volta da fogueira. Tinham a cabeça pendida para a frente e
seus cabelos e suas testas brilhavam à luz vermelha. Em cima daquela
pequena cúpula, cintilavam fracamente as estrelas do céu do verão.
Sobre o colchão, afastada do fogo, a avó choramingava qual um
cachorrinho. Todos os olhares convergiram para ela.
A
mãe disse:
— Rosasharn,
seja boazinha e vai se deitar com a avó. Ela precisa de alguém.
Agora ela já sabe.
Rosa
de Sharon levantou-se e foi para junto da avó. Deitou-se ao lado
dela, no colchão, e o murmúrio abafado de ambas chegou até o grupo
que rodeava a fogueira. Rosa de Sharon e a avó cochichavam.
Noah
disse:
— É
engraçado, o avô morreu e eu sinto a mesma coisa que antes. Não
tou triste, nem nada.
— É
a mesma coisa — disse Casy. — O avô e as terras de vocês eram a
mesma coisa.
Al
disse:
— É
uma pena! Ele sempre dizia o que ia fazer quando pudesse ter tanta
uva que desse pra amassar os cacho e escorrer o suco pela cara, e
coisas assim.
Casy
disse:
— Dizia
isso de gozação, mas sem a intenção de fazer. O avô não morreu
esta noite; já estava morto quando nós tiramos ele de casa.
— O
senhor tem certeza disto? — perguntou o pai.
— Bem,
não é bem isso. Ele naturalmente respirava — esclareceu Casy. —
O que quero dizer é que ele já estava praticamente morto. Ele e as
terras formavam um só e ele sabia disso.
— E
o senhor sabia que ele ia morrer? — perguntou tio John.
— Sim
— disse Casy —, eu sabia.
John
encarou-o fixamente e o horror se lhe estampou nas faces.
— E
o senhor não disse nada a ninguém?
— Para
quê? — fez Casy.
— A
gente... podia fazer alguma coisa.
— Fazer
o quê?
— Não
sei, mas...
— Não
— disse Casy —, não se poderia fazer nada. O caminho de vocês
já estava traçado, e o avô não poderia participar dele. Mas ele
não sofreu nada. Só hoje de manhã, quando começou a movimentação
toda. Ele ficou aqui, na terra que era a terra dele. Não teve forças
para deixá-la.
Tio
John suspirou profundamente.
Wilson
disse:
— Nós
tivemos que abandonar meu irmão Will. — As cabeças de todos
voltaram-se para ele. — A gente tinha dezesseis hectares. Ele é
mais velho que eu. Nenhum de nós sabia dirigir bem. Bom, nós
resolvemos ir embora e vender tudo que possuíamos. Will comprou um
carro e o vendedor o apresentou a um rapaz que ia ensinar ele a
dirigir. Então, na tarde em que nós íamos partir, algum tempo
antes da nossa saída, Will e tia Minnie ficaram praticando um pouco
de direção. Will chegou numa curva e gritou: “Anda, moreno!”,
como se fosse para um cavalo, recuou contra uma cerca e gritou de
novo: “Aiô!” Pisou fundo no acelerador e despencou no fundo de
um barranco. E aí, acabou-se. Ele não tinha mais nada para vender e
ficou sem carro. Mas isso foi culpa dele mesmo. Ficou tão danado que
nem quis vir conosco. Ficou lá xingando Deus e o mundo.
— E
que é que ele vai fazer agora?
— Nem
sei. Ele ficou tão aborrecido que nem pôde pensar no que ia fazer.
E nós não pudemos esperar. Só tinhamos oitenta e cinco dólares.
Não podíamos ficar e dividir o dinheiro; aliás já se foi o
dinheiro quase todo na viagem. Só tínhamos viajado cento e
cinquenta quilômetros quando quebrou uma coisa no diferencial e
tivemos que pagar trinta dólares pelo conserto. Depois precisamos
comprar um pneu e logo depois estourou uma vela de ignição, e a
Sairy ficou doente. Tudo isto nos reteve por mais de dez dias. E
agora esse calhambeque aí quebrou de novo e o dinheiro está nas
últimas. Nem sei se chegaremos algum dia à Califórnia. Se ao menos
eu entendesse de automóveis e pudesse consertar o carro!
Al
perguntou com ar de importância:
— Que
é que o carro tem, afinal?
— Bem,
resolveu não andar mais. O motor pega e para logo em seguida. Depois
pega outra vez e torna a parar depois de rodar um pedacinho à toa.
— Então
ele pega só um minuto, mais ou menos?
— Sim,
senhor. E não quer andar mais, posso botar quanta gasolina quiser no
tanque. Está cada vez pior, e agora não anda nem pra trás nem pra
frente.
Al
se tornou compenetrado e senhor de si:
— Deve
ser entupimento dos tubos de condução de gasolina. Vou ver se faço
uma limpeza neles.
E
também o pai estava muito orgulhoso dos conhecimentos de Al.
— Ele
entende um bocado de automóveis — disse, satisfeito.
— Pois
eu lhe ficaria muito agradecido — disse Wilson. — A gente tem a
impressão de que é uma verdadeira criança por não saber lidar com
este troço. Quando chegar à Califórnia, vou tratar logo de comprar
um bom carro. Talvez esse não estrague tão depressa.
— Sim,
se a gente conseguir chegar na Califórnia. Chegar até lá é que é
a dificuldade — disse o pai.
John
Steinbeck, in As vinhas da Ira
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