sábado, 17 de março de 2018

Um cavalo de raça

É bastante feia. Mas, é deliciosa! O Tempo e o Amor marcaram-na com suas garras e lhe ensinaram o que cada minuto e cada beijo encerram de juventude e frescor.
É mesmo feia: formiga, aranha, e até esqueleto, se quiserem. Mas é bebida, magistério, feitiço! Em suma, é esquisita.
O Tempo não pôde quebrar-lhe a crepitante harmonia do andar, nem a elegância indestrutível do porte. O Amor não lhe alterou a suavidade do hálito de criança. Nada lhe tirou o Tempo da farta cabeleira que exala, em selváticos perfumes, toda a endiabrada vitalidade do Meio-dia francês: Nimes, Aix, Arles, Avignon, Narbonne, Toulose, cidades abençoadas de sol, encantadoras e amorosas! O Tempo e o Amor morderam-na em vão com seus grandes dentes: nada diminuíram o encanto vago, mas eterno, do seu colo de moça.
Gasta, talvez, mas não fatigada, e sempre heroica, ela faz pensar nesses cavalos puro-sangue que os olhos do verdadeiro amador reconhecem, mesmo quando atrelados a um carro de aluguel ou a uma pesada carroça.
Além disso, como é delicada e ardente! Ama como se ama no outono: dir-se-ia que a aproximação do inverno lhe acende no coração um fogo novo, e a servilidade de sua ternura nada tem de fatigante.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

Nenhum comentário:

Postar um comentário