terça-feira, 16 de abril de 2024

O garçom

Já passava das 23 horas, o restaurante do hotel estava vazio e assim eu podia fazer uma coisa que me dá prazer: conversar com o garçom. Sem ter mais ninguém para atender, ele estava por minha conta. Parecia ter uns cinquenta anos. Perguntei sobre sua vida, onde nascera, como vivera... O seu rosto se iluminou e ele começou a falar com o maior entusiasmo. Nascera num lugarzinho ínfimo. Esqueci-me do nome. Só sei que tinha alguma coisa a ver com “antas”. Lá no norte de Minas. Matas, onças, antas, pacas, macacos, pássaros de todos os tipos. Solidão. Farmácia plantada na horta. Fazer fogo batendo uma pedra na outra. Tinham de sobreviver com o que havia ao redor, na natureza, e com o que plantavam. Pai pobre, só pôde fazer o grupo, curso primário. Depois se mudara para Belo Horizonte. Já trabalhava naquele hotel havia mais de 25 anos. Aí ele deu uma paradinha, sorriu e disse sem a menor vergonha: “Sou homem inteligente. Não me conformei com o curso primário. Resolvi estudar. Fui numa livraria que vende livros para pobres. Comprei vários. Estou terminando o supletivo...”. Aí começou a me falar sobre o que aprendera. Eu escutava fascinado. “Faz uns dias fui atender uma senhora. Eu disse: Por aqui, minha senhora... Ela respondeu: ‘I don’t speak Portuguese’. Eu disse: ‘But I speak English’”. E desandou a falar inglês num sotaque bonito. Os mineiros da roça, bem como os piracicabanos e os tatuienses, têm, por causa do sotaque natural, facilidade para falar os erres tortos dos americanos. E acrescentou: “E falo também alemão!”. Com o meu alemão de pé quebrado tratei de colocá-lo à prova, para ver se ele não sabia só meia dúzia de palavras. Que nada! Ele falava mesmo! Seu nome: João Batista Souto, 54 anos, maître do restaurante do Belo Horizonte Othon Palace. No dia seguinte, ao sair, deixei na portaria uns livros para ele.

Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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