quarta-feira, 30 de novembro de 2022
Aeroprosa
Carlos Drummond de Andrade, in Fala, Amendoeira
Ripuária
Guimarães Rosa, in Tutameia
A máquina está crescendo
O homem foi programado por Deus para resolver problemas. Mas começou a criá-los em vez de resolvê-los. A máquina foi programada pelo homem para resolver os problemas que ele criou. Mas ela, a máquina, está começando também a criar problemas que desorientam e engolem o homem. A máquina continua crescendo. Está enorme. A ponto de que talvez o homem deixe de ser uma organização humana. E como perfeição de ser criado, só existirá a máquina. Deus criou um problema para si próprio. Ele terminará destruindo a máquina e recomeçando pela ignorância do homem diante da maçã. Ou o homem será um triste antepassado da máquina; melhor o mistério do paraíso.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
Noite fria
Charles Bukowski, in Numa Fria
terça-feira, 29 de novembro de 2022
O mundo de Deus
Mário Quintana, in Caderno H
Revelações
Luís Fernando Veríssimo, in Diálogos Impossíveis
Cartas para minha avó
Djamila Ribeiro, in Cartas para minha avó
segunda-feira, 28 de novembro de 2022
Cena carioca | II
Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo
Da natureza dos sonhos
Jorge Luís Borges, in Livro de Sonhos
Capítulo 21 | O Almocreve
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
Da alma
As coisas em si não tocam, acessam, giram ou movem a alma. Ela, sozinha, gira-se, move-se e julga as coisas que se apresentam conforme lhe parece apropriado.
Marco Aurélio, in Meditações
domingo, 27 de novembro de 2022
Vivo, vivíssimo
José Saramago, in O caderno
Canto de Ossanha | Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
Sesta
Octavio Paz
Na sesta feliz entre as árvores,
Atravessa o sol as folhas, tudo arde,
O tempo corre entre a luz e o céu
Como um furtivo deus deixa as coisas.
O meio-dia flui em teu nu
Como o sopro de verão pelo ar.
Em teus seios trepidam os verões.
Sentes passar a terra por teu corpo
Como cruza uma estrela o firmamento.
À distância voa o mar como um pássaro.
Sobre o invencível pó em que dormes
Esta sombra ligeira marca o peso
De um abraço solar contra o destino.
Somos dois no alto de uma vida.
Somos um no alto do instante.
Teu corpo é uma lua impenetrável
Que o esplendor destrói nesta hora.
Quando abro tua carne firo o tempo,
Cubro com minha aflição a dinastia,
Basta minha voz para apagar os deuses,
Me afundo em ti para enfrentar a morte.
O meio-dia é vasto como o mundo.
Canta o corpo na luz, a terra canta,
Dança no sol de todas as cores,
Cada sabor é único em minha língua.
Sou um súbito amor por cada coisa.
Vejo, apalpo sem fim, cada sentido
É um espelho breve na delícia.
Te vejo envolta em um suor espesso.
Bebemos vinho tinto. As laranjas
Deixam seu agudo cheiro entre teus lábios.
São os grandes calores do verão.
O fugitivo sol busca tuas plantas,
O mundo foge pelo firmamento,
Enchemos este nada com as nuvens,
Furtamos ao ser cada momento,
Por igual te despi com nosso duelo.
Sei que vou morrer. Termina o dia.
Jorge Gaitán Durán, poeta colombiano
Amor e outros males
Rubem Braga, in A traição das elegantes
sábado, 26 de novembro de 2022
A religião dos outros
Gregório Duvivier, in Put some farofa
Sábado, com sua luz
Trabalhar, como? O que interessa nesse sábado que é puro ar, apenas ar? “Todos aqueles que fizeram grandes coisas, fizeram-nas para sair de uma dificuldade, de um beco sem saída.” Minha vida tem que ser escrever, escrever, escrever? como exercício espiritual profundo? E incorporar o ar aéreo deste sábado no que eu escrever. O que quero escrever? Quero hoje escrever qualquer coisa que seja tranquila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas quero, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Vou parar aqui, porque é tão sábado!
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
Sonho
O mundo do sonho é silencioso como o mundo submarino. Por isso é que faz bem sonhar.
Mário Quintana, in Caderno H