terça-feira, 31 de julho de 2018

A personagem do fim

Vi o romance na vitrine da livraria e me interessei pelo título. Li o texto da orelha e soube que era o primeiro livro do autor: um texto breve, uma novela de 52 páginas e meia dúzia em branco para encorpar o volume cuja lombada mal se equilibrava de pé.
Depois soube que Sávio era um perseguidor de mocinhas ricas que moravam em bairros nobres da cidade. A trama mencionava um sequestro de uma dessas ninfas grã-finas; o que vinha em seguida era um mistério que o autor anônimo da orelha não revelou. A novela era a história desse mistério. Folheei o livrinho, percebi a linguagem sóbria, sem rebuscamentos do narrador: frases longas que alternavam com outras mais breves, habilmente construídas. As palavras e o ritmo das frases me atraíram mais que o enredo, que de algum modo eu já conhecia. Faltava o mistério.
Comecei a ler o livro no café ao ar livre da livraria. Não havia ninguém por ali e o silêncio era um convite à leitura. O calor úmido da metrópole lembrou o calor abafado da minha cidade. Pedi uma garrafa de água e acompanhei a sede carnal do personagem: um homem ávido por sexo, tão ávido que parecia desconhecer o amor, o erotismo e as carícias da noite. Claro que havia noites de orgasmo na narrativa, mas eram noites de cópula apressada, não de amor. Quase não havia descrições, os diálogos eram intencionalmente banais, como quase tudo nas noites daquele Don Juan de um bairro nobre da metrópole. Todas as mocinhas pareciam uma única ninfa mimada, perdida em devaneios ambiciosos, como alguém que aspira a uma dessas celebridades fúteis e vazias que se vê nos piores programas de TV.
Não foi difícil notar que a recorrência de corpos e diálogos era uma estratégia narrativa. A novela não pode ser isso, pensei. E então, na página 27, surgiu uma história de amor. Exatamente na metade do livro. Admirei essa simetria perfeita: metade perfídia e vaidade, a outra metade uma verdadeira conquista amorosa. Mergulhei na rede complicada dessa conquista, que às vezes beirava o patético, mas a voz do narrador insinuava que o patético é humano e às vezes vale a pena ser vivido.
Li a novela em menos de duas horas e fiquei pensando na linguagem que me conduziu ao enredo e aos personagens, como um leitor que acaba de ler um bom livro.
Estava perdido nesse devaneio quando alguém — uma mulher madura e esbelta — sentou na cadeira à minha esquerda e cruzou as pernas. Percebi que ela me olhava ou olhava o livro aberto nas minhas mãos. Eu pensava na história, pensava na moça e no destino do tarado, com ares de Don Juan de subúrbio. Fechei o livro e olhei para a mulher.
Apontou a capa vermelha e perguntou se eu tinha gostado da novela.
Muito”, eu murmurei.
Então ela descruzou as pernas, levantou e sentou-se diante de mim. Eu podia sentir o perfume da maquiagem, o aroma da máscara. Vi os olhos de egípcia tentando perfurar minha alma. Com uma voz forte, tensa, ela disse:
Sou a autora. Usei um pseudônimo masculino. Agora vou contar a verdadeira história dessa moça que surgiu do nada.”
Milton Hatoum, in Um solitário à espreita

Dai-me a verdade

Mais que amor, dinheiro e fama, dai-me a verdade. Sentei-me a uma mesa onde a comida era fina, os vinhos abundantes e o serviço impecável, mas onde faltavam sinceridade e verdade, e com fome fui-me embora do inóspito recinto. A hospitalidade era fria como os sorvetes. Pensei que nem havia necessidade de gelo para conservá-los. Gabaram-me a idade do vinho e a fama da safra, mas eu pensava num vinho muito mais velho, mais novo e mais puro, de uma safra mais gloriosa, que eles não tinham e nem sequer podiam comprar.
O estilo, a casa com o terreno em volta e o “entretenimento” não representam nada para mim. Visitei o rei, mas ele deixou-me à espera no vestíbulo, comportando-se como um homem incapaz de hospitalidade. Na minha vizinhança havia um homem que morava no oco de uma árvore e cujas maneiras eram régias. Teria feito bem melhor visitando-o a ele.
Até quando nos sentaremos nós nos nossos alpendres a praticar virtudes ociosas e bolorentas, que qualquer trabalho tornaria descabidas? É como se alguém começasse o dia com paciência, contratasse alguém para lhe sachar as batatas, e de tarde saísse para praticar a mansidão e a caridade cristãs com bondade premeditada!
Henry David Thoreau, in Walden

Humano peso

Os sonhos não os têm só que navega
ou tenta navegar no vento aceso,
mas quem por abismos fica ileso
como se flutuasse numa verga

e as âncoras baixassem na tristeza
ou tristes conduzíssemos o peso,
mais a desolução da carne, a intensa
gravidade das coisas, homem preso

ao mínimo das águas, desatento
aos astros, aos planetas e se alterna
mas é somente febre disparada.

O sonho, o frágil corpo, os elementos
navegam as mudanças subalternas
e os nadas de espuma, em puro nada.
Carlos Nejar

Guignard na parede

Vaso com flores (1933), de Guignard

Este seu Guignard é falso ou verdadeiro? — perguntou-lhe o visitante, coçando o queixo, de um modo ainda mais suspeitoso do que a pergunta.
Ora essa, por que duvida?
Eu não duvido nada, só que existem por aí uns cinquenta quadros falsos de Guignard, e então…
Então o quê?
Esse também podia ser. Só isso.
Pois não é, não senhor. Qualquer um vê logo que se trata de Guignard autêntico, Guignard da melhor época.
Não ponho em dúvida sua palavra, Deus me livre. Mas nunca se sabe se um quadro é autêntico ou não. Nunca. Não há prova irrefutável.
Mesmo que se tenha visto o pintor trabalhando nele?
Em geral, o pintor não trabalha à vista dos outros. No máximo dá uma pincelada, um toque. Até os retratos, não sabia? são feitos em grande parte na ausência dos retratados. Todo artista tem um auxiliar, espécie de primo pobre, que imita à perfeição a maneira do mestre…
Guignard tinha alunos; e daí? Vai me dizer que os alunos pintavam e ele assinava?
O senhor é que parece estar insinuando isso. Eu digo apenas que assinatura pode ser autêntica num quadro falso. Veja Picasso. Picasso assina falsos Picassos por blague ou para ajudar pobres-diabos. Pode parecer maluquice, mas para mim o pintor é o primeiro falsificador de sua obra, ele se copia e manda os outros copiarem…
Não diga uma besteira dessas.
Vejo que não gostou. Natural, tem amor a seu Guignard, quer preservá-lo de suspeitas. Pois, meu caro, o pintor, quando famoso, não chega para as encomendas, e aí então é que assina apenas o que os outros pintam para ele. Como foi ele que mandou pintar, a falsificação é relativa, ou por outra, é endossada, fica sendo autoria. Pode se distinguir entre a falsificação original e a falsificação falsa mesmo, à revelia do autor.
Nunca ouvi tanta bobagem na minha vida.
O senhor acha que é bobagem? Bem, está no seu direito. Mas me diga só uma coisa: viu Guignard pintar este quadro?
Não, mesmo porque quando comprei o quadro, ele já tinha morrido. Mas comprei de uma pessoa que o comprou de Guignard.
Está vendo? É a tal coisa. O pintor morreu, não pode dar testemunho. A pessoa afirma uma coisa, o senhor acredita, em sua boa-fé; e assim por diante. Aí é que nunca mais se apura a verdade.
Acho uma impertinência de sua parte…
Perdão. Eu seria incapaz de duvidar de sua palavra e de sua inteligência. Porque acredito nas duas é que estou lhe abrindo os olhos. Não ouso pretender o título de seu amigo, mas a minha lealdade…
— …
Porque leal eu sou, mesmo para os desconhecidos. Faço questão. Fomos apresentados há meia hora, na conversa calhou o senhor dizer que tinha um ótimo Guignard, eu fiquei curioso de ver, o senhor me trouxe aqui… Não foi?
Foi.
Pois então. Fiquei com medo do senhor ter um falso Guignard, e preveni. Não há razão para se queimar.
Está bem.
Talvez tenha feito mal em alertá-lo. O senhor vai ficar preocupado, cismado. Não desejo isso. Vamos fazer uma coisa? Para o senhor não se chatear, eu compro o seu quadro, mesmo tendo as maiores dúvidas sobre a autenticidade. Repare bem: a fluidez da pintura é demasiado fluida para ser original… Um mestre nunca vai ao extremo de sua potencialidade; deixa que os outros exacerbem sua maneira. Este Guignard é tão leve, tão aéreo, que só mesmo de alguém muito habilidoso, que procurasse ser mais Guignard do que o próprio Guignard… Não há dúvida, para mim não é Guignard. Quanto quer por isto?
Quero que o senhor vá para o inferno, sim?
Carlos Drummond de Andrade, in 70 historinhas

"Que sujeito mais sem palavra!"

Assim que ele deu de cara com as setecentas lâminas da máquina da morte doidinhas pra torá-lo ao meio, as setecentas lâminas que ele mesmo tinha instalado, todas setecentas, Antônio deu um pulo pra cima, respeite o pulo de Antônio, e foi vento que as lâminas toraram somente.
E no que seus dois pés pisaram o chão novamente e o povo viu que ele estava ali, dos pés à cabeça, todo inteiro, foi aí que começou a vaia.
Repare mesmo que azar o de Antônio. O instante em que ele saiu colou com o instante em que ele chegou, sem nem uma brecha no meio. Quem olhava pra ele pensou que ele tinha estado o tempo todo ali, mas é claro, e o mundo inteiro duvidou que Antônio tinha ido ao futuro mesmo. Uns achavam até graça, pensando que era piada, outros tinham era raiva, pensando, que desaforo.
Pela primeira vez na história ninguém ganhou aposta, nem um lado, nem o outro, e por fim ficou tudo empatado. Perdeu quem apostou que Antônio iria ao futuro, perdeu também quem apostou na morte dele.

O que se comentava pelo mundo era que Antônio farrapou, “que sujeito mais sem palavra que não foi a futuro algum nem morreu morte nenhuma, tudo que fez foi dar um pulo pra cima, atração muito da besta inclusive, coisa que qualquer um teria feito com a maior facilidade”.
Em defesa própria, Antônio sustentou que foi ao futuro de fato, mas se atrapalhou um pouco no caminho da volta: por isso regressou no mesmo instante em que tinha partido, por pura infelicidade, e esse era o motivo dessa confusão toda.
Contou ainda o que tinha visto lá, na frente, em dois mil e pouco, dali a 25 anos, seis meses e 17 dias mais precisamente.
Quem já viu disso, menino?
Ainda mais num lugar sem futuro desses.
Agora ficou doido de vez.
Deixe de conversa.
Mas esse Antônio já inventa.
Fui, não foi, fui sim, não estou dizendo?”
O que ele dizia não valia era mais nada.
O mundo inteiro desprezou cada palavra de Antônio, que tristeza, o mundo inteiro se pôs a rir de Antônio, o mundo inteiro, menos Karina, obviamente.
Adriana Falcão, in A máquina

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Cálculos apertados

A luz do crepúsculo foi desaparecendo aos poucos. A mãe deixou o grupo e entrou na casa, de onde os homens não tardaram a ouvir o bater das tampas de ferro do fogão. Um instante depois, ela estava de volta à reunião em que todos pareciam meditar.
O avô disse:
A coisa tem dois lados pra se ver. Antigamente, o pessoal dizia que um pregador dá azar.
Tom falou:
Mas ele diz que não é mais um pregador.
O avô agitou as mãos:
Quem uma vez foi um pregador será sempre um pregador. Disso ocês podem ficar certos. Mas, também, muita gente dizia antigamente que era bom ter um pregador sempre na companhia. Quando alguém morre, ele pode servir bem no enterro. Quando alguém casa, lá está o pregador. Quando nasce uma criança, é o pregador que batiza ela. Eu sempre disse que tem pregadores e pregadores. É só a gente saber escolher o que presta. E este aqui, até eu gosto dele. Não é nada burro.
O pai enfiou o graveto que tinha na mão debaixo de um montículo de poeira e ficou a girá-lo entre os dedos, abrindo um pequeno túnel.
Mas não se trata de saber somente se ele traz sorte ou azar — falou lentamente. — A gente precisa fazer os cálculo. É o diabo quando a gente precisa fazer cálculo assim apertados. Mas vamo ver. Estão aí a avó e o avô, são duas pessoas. E eu, o John e a mãe... são cinco. E Noah e Tommy e Al, são oito. E Rosa e Connie, são dez. E Ruthie e Winfield, são doze. E também a gente tem que carregar os cães, senão que é que a gente ia fazer com eles? Não se pode dar um tiro num bom cachorro, e por aqui não tem ninguém pra dar eles. Então, são catorze ao todo.
Não contando com as galinhas e os dois porcos — disse Noah.
O pai disse:
Acho melhor a gente salgar os dois porcos na viagem. Vamo precisar de carne. E assim a gente só tem que levar as barricas de carne salgada. Mas a questão é saber se nós todos cabemo no caminhão, nós e o pregador também. E se podemo dar comida pra mais uma pessoa. — Sem virar a cabeça, perguntou: — Será que podemos, mãe?
A mãe aspirou profundamente:
A questão não é saber se podemos; a questão é saber se queremos — disse com firmeza. — Quanto a poder, acho que não podemos nem ir pra Califórnia ou pra outro lugar qualquer; mas quanto a querer, a gente querendo faz o que pode. Por falar nisso, a gente viveu aqui muitos anos e nunca ninguém disse que um Joad ou um Hazlett recusou comida, teto ou transporte para alguém que tava necessitado. Tinha alguns maus mesmo, mas tão maus assim não.
O pai interrompeu-a:
Mas se não tiver lugar pra ele? — Virara a cabeça para encará-la, e estava envergonhado com o tom usado pela mulher. — Se a gente não caber, todos, no caminhão?
Nem agora tem lugar bastante, com ele ou sem ele — replicou ela. — O caminhão só dá bem pra seis pessoas, e são doze, pelo menos, que têm de viajar de qualquer maneira. Uma pessoa a mais não faz diferença, e um homem forte e saudável nunca é demais. De qualquer maneira, a gente, com dois porcos e mais de cem dólares, ficar pensando se pode sustentar mais uma pessoa... — Ela interrompeu-se e o pai sentou-se, abatido com aquela lição. Tinha sido vencido.
A avó disse:
É uma boa coisa a gente ter um pregador na companhia. Ele disse uma bonita prece pra gente, hoje de manhã.
O pai olhou o rosto de cada um dos presentes, à espera de novos protestos, e depois falou:
Traz ele pra cá, Tommy. Se ele vai com a gente, é bom que teja aqui.
Tom levantou-se e foi andando em direção à casa.
Casy! Ô, Casy! — gritou.
Uma voz abafada respondeu, vinda dos fundos da casa. Tom foi até o canto da construção e viu o pregador sentado, encostado à parede, mirando as estrelas que brilhavam no céu sem nuvens.
Me chamou? — perguntou Casy.
Sim. Já que o senhor vem com a gente, é melhor ficar conosco, ajudar a combinar a viagem.
Casy ergueu-se. Ele conhecia os regulamentos de família e sabia que tinha sido admitido nesta, e com uma posição elevada, pois que tio John estava se afastando para o lado, a fim de dar-lhe lugar no conselho, entre a sua pessoa e a do pai de Tom. Casy também se acocorou com os outros, de frente para o avô, que estava entronizado no estribo do caminhão.
A mãe tornou a entrar na casa. Ouviu-se o riscar de um fósforo e logo a luz amarela, fraca, de uma lamparina iluminou a cozinha escura. Quando ela ergueu a tampa do panelão, o odor estimulante de carne cozida com legumes infiltrou-se no grupo, através da porta aberta. Eles esperaram até que a mãe regressasse ao quintal cada vez mais escuro, pois que mãe tinha posição de destaque na reunião.
O pai continuou:
Precisamos combinar o dia da partida. Quanto mais cedo, melhor. O que a gente tem que fazer antes é matar e salgar os porcos e embrulhar as nossas coisas. E precisamos andar depressa.
Noah interveio:
Se a gente se apressar, pode terminar tudo amanhã mesmo e partir depois de amanhã.
Tio John discordou:
Não dá pra se esfriar a carne em um dia. Agora não é época de matança. E a carne vai estragar, se não esfriar direito.
Bom, então vamo matar os porco esta noite mesmo. Já haverá mais tempo para a carne esfriar. Vamo comer e começar logo. Tem sal bastante?
Tem, sim. E temos também duas boas barricas.
Bem, então é só começar — disse Tom.
O avô procurou se agarrar a qualquer coisa que o ajudasse a descer do estribo.
Tá ficando escuro — disse. — E eu tô com fome. Quando a gente chegar na Califórnia, vou ter o tempo todo cachos de uva nas mãos, pra comer quando quiser, sim senhor. — Levantou-se, afinal, e os homens o imitaram. Ruthie e Winfield, como dois endiabrados, saltitavam alegres na poeira. Ruthie sussurrou numa voz rouca:
Matar porcos e viajar pra Califórnia. Matar porcos e viajar pra Califórnia...
E Winfield estava louco de alegria. Enfiou os dedos na boca, fez uma careta terrível, e saiu a pular e a gritar:
Eu sou um porco velho. Olha. Eu sou um porco velho. Olha o sangue, Ruthie! — E cambaleou e caiu ao chão, agitando braços e pernas.
Mas Ruthie era mais velha e sabia da seriedade da situação.
E ir pra Califórnia — disse ela outra vez. E sabia que esse era o momento mais importante de sua vida.
John Steinbeck, in As vinhas da ira

Quem bate?

Cecilia. Cecilia que chega de um pátio da infância... Traz ainda sereno nas tranças, seus sapatinhos andaram pulando na grama... Depois assenta-se nos degraus da torre, e canta...
Mas o chaveiro do sonho pegou-lhe as tranças, teceu cordoalhas para o seu navio. Mas o chaveiro do sonho pegou-lhe a canção... E fez um vento longo e triste.
E eu pensava que toda a minha tristeza vinha apenas do vento, da solidão do mar, da incerteza daquela viagem num navio perdido…
Mário Quintana, in Sapato florido

Arte e Velocidade

A cada ano, o artista inglês Gerry Judah cria uma enorme escultura para homenagear uma marca de automóvel no Goodwood Festival of Speed, célebre evento anual que se realiza em Sussex, Inglaterra. Veja alguns trabalhos desse genial escultor:

Homenagem à Lotus

Homenagem à Mercedes Benz

 

Homenagem à Ferrari

Homenagem à Alfa Romeu


Homenagem à Audi



Homenagem à Jaguar E-Type

Homenagem a Land Rover

Homenagem à Mazda


 
Homenagem à Porsche



Homenagem à Renault


De ressaca

Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além de saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era a prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficará sem castigo. Cada porre era um desafio ao céu e às suas fúrias. E elas vinham — Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais — às golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconsequentes, literalmente.
Não é que eu fosse um bêbado, mas me lembro de todos os sábados de minha adolescência como uma luta desigual entre o cuba-libre e o meu instinto de autopreservação. O cuba-libre ganhava sempre. Já dos domingos me lembro de muito pouco, salvo a tontura e o desejo de morte. Jurava que nunca mais ia beber, mas, antes dos 30, “nunca mais” dura pouco. Ou então o próximo sábado custava tanto a chegar que parecia mesmo uma eternidade. Não sei o que o cuba-libre fez com meu organismo, mas até hoje quando vejo uma garrafa de rum os dedos do meu pé encolhem.
Tentava-se de tudo para evitar a ressaca. Eu preferia um Alka-Seltzer e duas aspirinas antes de dormir. Mas no estado em que chegava em casa nem sempre conseguia completar a operação. Às vezes dissolvia as aspirinas num copo de água, engolia o Alka-Seltzer e ia borbulhando para a cama, quando encontrava a cama.
Mas os métodos variavam. Por exemplo:
Um cálice de azeite antes de começar a beber — O estômago se revoltava, você ficava doente e desistia de beber.
Tomar um copo de água entre cada copo de bebida — O difícil era manter a regularidade. A certa altura, você começava a misturar a água com a bebida, e em proporções cada vez menores. Depois, passava a pedir um copo de outra bebida entre cada copo de bebida.
Suco de tomate, limão, molho inglês, sal e pimenta — Para ser tomado no dia seguinte, de jejum. Adicionando vodca, tinha-se um Bloody Mary, mas isto era para mais tarde um pouco.
O sumo de uma batata, sementes de girassol e folhas de gelatina verde dissolvidas em querosene — Misturava-se tudo num prato pirex forrado com velhos cartões do sabonete Eucalol. Embebia-se um algodão na testa e deitava-se com os pés na direção da ilha de Páscoa. Ficava-se imóvel durante três dias, no fim dos quais o tempo já teria curado a ressaca de qualquer maneira.
Uma cerveja bem gelada na hora de acordar — Por alguma razão, o método mais popular.
Canja — Acreditava-se que uma boa canja de galinha de madrugada resolveria qualquer problema. Era preciso especificar que a canja era para tomar, no entanto. Muitos mergulhavam o rosto no prato e tinham que ser socorridos às pressas antes do afogamento.
Minha experiência maior é com o cuba-libre, mas conheço outros tipos de ressaca, pelo menos de ouvir falar. Você sabia que o uísque escocês que tomara na noite anterior era paraguaio quando acordava se sentindo como uma harpa guarani. Quando a bebedeira com uísque falsificado era muito grande, você acordava se sentindo como uma harpa guarani e no depósito de instrumentos da boate Catito’s em Assunção.
A pior ressaca era de gim. Na manhã seguinte, você não conseguia abrir os dois olhos ao mesmo tempo. Abria um e quando abria o outro o primeiro se fechava. Ficava com o ouvido tão aguçado que ouvia até os sinos da catedral de São Pedro, em Roma.
Ressaca de martíni doce: você ia se levantar da cama e escorria para o chão como óleo. Pior é que você chamava a sua mãe, ela entrava correndo no quarto, escorregava em você e deslocava a bacia.
Ressaca de vinho. Pior era a sede. Você se arrastava até a cozinha, tentava alcançar a garrafa de água e puxava todo o conteúdo da geladeira em cima de você. Era descoberto na manhã seguinte imobilizado por hortigranjeiros e laticínios e mastigando um chuchu para alcançar a umidade. Era deserdado na hora.
Ressaca de cachaça. Você acordava, sem saber como, de pé, num canto do quarto. Levava meia hora para chegar até a cama porque se esquecera como se caminhava: era pé ante pé ou mão ante mão? Quando conseguia se deitar, tinha a sensação que deixara as duas orelhas e uma clavícula no canto. Olhava para cima e via que aquela mancha com uma forma vagamente humana no teto finalmente se definira. Era o Konrad Adenauer e estava piscando para você.
Ressaca de licor de ovos. Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite a eutanásia.
Ressaca de conhaque. Você acordava lúcido. Tinha, de repente, resposta para todos os enigmas do Universo. A chave de tudo estava no seu cérebro. Devia ser por isso que aqueles homenzinhos estavam tentando arrombar a sua caixa craniana. Você sabia que era alucinação, mas por via das dúvidas, quando ouvia falar em dinamite, saltava da cama ligeiro.
Hoje não existe mais isto. As pessoas bebem, bebem e não acontece nada. No dia seguinte estão saudáveis, bem -dispostas e fazem até piadas a respeito. De vez em quando alguns dos nossos se encontram e se saúdam em silêncio. Somos como veteranos de velhas guerras lembrando os companheiros caídos e nosso heroísmo anônimo. Estivemos no inferno e voltamos, inteiros. Mais ou menos. Um brinde. E um Engov.
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

Escrevo o que Não Sou...

Há uma pergunta que, quando feita a um poeta ou escritor, dói mais que picada de escorpião. A mim, pessoalmente, nunca fizeram. Mas fizeram a amigos meus: “Ele é do jeito mesmo como ele escreve?”. É uma pergunta nascida do amor: acharam bonitas as coisas que escrevi e agora estão curiosos para saber se me pareço com o que escrevo. Como disse, nunca me fizeram a pergunta, diretamente. Mas eu respondo. “Não, eu não sou igual ao que escrevo.” Sou um fingidor.
Quem disse isso, que o poeta é um fingidor, foi Fernando Pessoa:

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Fingir é palavra feia. Sugere uma mentira, com o intuito de enganar. No mundo de Fernando Pessoa ela tem um outro sentido. Fingimento é aquilo que faz o ator no teatro: para representar, ele tem de “fingir” sentimentos que não são dele. E finge tão completamente que sente, realmente, uma dor que não é dele, mas de um personagem fictício, ausente. Assim é o poeta. Como pessoa comum, ele sofre. Essa pessoa sofredora não sabe escrever poemas. Ela só sabe sofrer. Mas nessa pessoa que sofre mora um outro, o poeta, o duplo, heterônimo. Esse poeta olha para si mesmo, sofredor, e “finge”, deixa-se possuir por aquela dor que é dele como se fosse de um outro: “chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”.
Sou um fingidor. O que escrevo é melhor que eu. Finjo ser um outro. O texto é mais bonito que o escritor. Fernando Pessoa se espantava com isso. Tinha clara consciência de que era muito pequeno quando comparado com a sua obra. Num dos seus poemas ele diz o seguinte: “Depois de escrever, leio… Por que escrevi isto? Onde fui buscar isto? De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu…”
Vinha-lhe então a suspeita de que aquilo que ele escrevia não era obra dele, mas de um outro: “Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?”.
Contaram-me que ele, Fernando Pessoa, certa vez, aceitou encontrar-se com Cecília Meireles, e marcaram lugar, data e hora para o dito encontro. Cecília compareceu e esperou. Pessoa não foi e mandou, no seu lugar, um menino com uma desculpa esfarrapada. Esse incidente sempre me intrigou. Será que Pessoa era um grosseiro indelicado? Depois, lendo o Livro do desassossego, de Bernardo Soares, encontrei uma curta afirmação que esclareceu tudo: “Nunca pude admirar um poeta que me foi possível ver”. Ao marcar o encontro com Cecília, movido pela delicadeza ou entusiasmo, ele se esqueceu disso. Foi só na hora que lembrou. Cecília amava os seus poemas. Na ausência, certamente, fizera aquilo que todos fazem: imaginou que o poeta se parecia com os seus poemas. Agora, em algum hotel de Lisboa, ela se preparava para se encontrar com a beleza dos poemas na sua forma viva, verbo feito carne. A decepção seria muito grande. “Nunca pude admirar um poeta que me foi possível ver.” Assim, para poupar Cecília da decepção, ele preferiu não aparecer.
Àqueles que fazem essa pergunta a meu respeito, que imaginam que eu possa ser parecido com o que escrevo, aconselho: “Não compareçam ao encontro. Fiquem com o texto”.
Não é mentira, não é falsidade: a poesia é sempre assim. A poesia não é uma expressão do ser do poeta. A poesia é uma expressão do não-ser do poeta. O que escrevo não é o que tenho; é o que me falta. Escrevo porque tenho sede e não tenho água. Sou pote. A poesia é água. O pote é um pedaço de não-ser cercado de argila por todos os lados, menos um. O pote é útil porque ele é um vazio que se pode carregar. Nesse vazio que não mata a sede de ninguém pode-se colher, na fonte, a água que mata a sede. Poeta é pote. Poesia é água. Pote não se parece com água. Poeta não se parece com poesia. O pote contém a água. No corpo do poeta estão as nascentes da poesia.
Escher, o desenhista mágico holandês, tem um desenho chamado Poça de lama: numa estrada encharcada pela chuva, um caminhão deixou as marcas dos seus pneus, onde a água barrenta se empoçou. Coisas feias e sujas, as marcas dos pneus de um caminhão, cheias de água barrenta: nenhum turista seria tolo de fotografar uma delas, quando há tantas coisas coloridas para serem fotografadas. Pois Escher desenhou uma delas. E o que ele viu é motivo de espanto: na superfície de lama suja, refletidas, as copas dos pinheiros contra o céu azul.
Pensei que a poesia é isso: poça de lama onde se reflete algo que ela mesma não contém. A copa dos pinheiros contra o céu azul não está dentro da lama, não é parte do ser da lama. Apenas reflexo: mora no seu não-ser.
Pensei que assim é o poeta: poça de lama onde o céu se reflete.
Nietzsche, escrevendo sobre a poesia de Ésquilo, diz que ela “é apenas uma imagem luminosa de nuvens e céu refletida no lago negro da tristeza”. E Fernando Pessoa, no poema daquele verso que todo mundo canta — “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena” —, diz o seguinte: “Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.
É nessa contradição: o céu se fazendo visível, refletido, na poça de lama, no lago negro da tristeza, no perigo e no abismo do mar.
Não. Não escrevo o que sou. Escrevo o que não sou. Sou pedra. Escrevo pássaro. Sou tristeza. Escrevo alegria. A poesia é sempre o reverso das coisas. Não se trata de mentira. É que nós somos corpos dilacerados — “Oh! Pedaço arrancado de mim!”. O corpo é o lugar onde moram as coisas amadas que nos foram tomadas, presença de ausências, daí a saudade, que é quando o corpo não está onde está… O poeta escreve para invocar essa coisa ausente. Toda poesia é um ato de feitiçaria cujo objetivo é tornar presente e real aquilo que está ausente e não tem realidade.
Enquanto pensava sobre essa crônica, ouvi, por acaso, aquela balada que diz: “like a bridge over troubled waters” — “como uma ponte sobre águas revoltas…”. Letra e música sempre me comoveram. Na liturgia do casamento do meu filho, liturgia que preparei, pedi ao Décio, cirurgião pianista, que tocasse essa canção: pois isso é o máximo que alguém pode ser para a pessoa amada: ponte sobre águas revoltas. Pensei, então, que eu sou “águas revoltas” (onde eu mesmo quase me afogo). O que escrevo é uma ponte de palavras que tento construir para atravessar o rio.
Assim, considero respondida a pergunta: não sou igual ao que escrevo. Guardem o conselho de Fernando Pessoa. É mais seguro não comparecer ao encontro.
Rubem Alves, in Pimentas: para provocar um incêndio, não é preciso fogo

domingo, 29 de julho de 2018

Sustentabilidade

Confiaria muito na força da cidadania se ela quisesse se deixar convencer de que não há incompatibilidade entre o desenvolvimento econômico e social [de um lugar] e o espírito de sustentabilidade. Que não se coloque uma pedra sem se perguntar por que e quais serão as consequências futuras.
José Saramago, in As palavras de Saramago

Silva - O que me importa

Johnny B. Good

Tem vezes que tenho vontade
de que nada mude
vou ver
mudar é tudo que pude
morar bem
morar longe
morar lá onde
mora meu
mais distante quando.
Paulo Leminski

Pecado original

Desde o pecado original fomos essencialmente iguais para conhecer o bem e o mal; no entanto, é exatamente neste ponto que buscamos nossas vantagens particulares. Mas é só além desse conhecimento que começam as verdadeiras diferenças.
A aparência recíproca é provocada pelo seguinte: ninguém consegue contentar-se apenas com o conhecimento, mas tem de lutar para agir de acordo com ele. Contudo, não lhe foi atribuída a força para fazer isso; em consequência, ele tem de se destruir, mesmo correndo o risco de não adquirir com isso o poder necessário, mas não lhe resta nada senão essa última tentativa. (É este também o sentido da ameaça de morte associada à proibição de comer da árvore do conhecimento; talvez também o sentido original da morte natural.) Ora, ele tem uma tentativa; prefere revogar o conhecimento do bem e do mal; (a expressão “pecado original” tem origem nesse medo) mas o que aconteceu não pode ser suprimido, apenas turvado. É com esse objetivo que as motivações vêm à tona; com efeito, todo o mundo visível talvez não seja outra coisa senão uma motivação do ser humano para sua vontade de descansar um momento. Uma tentativa de falsear o fato do conhecimento, para só então transformá-lo em objetivo a ser atingido.
Franz Kafka, in Aforismos reunidos

As engrenagens da indústria

A economia moderna cresce graças à nossa confiança no futuro e à disposição dos capitalistas para reinvestir seus lucros na produção. Mas isso não é suficiente. O crescimento econômico também requer energia e matérias-primas, e essas são finitas. Quando e se acabarem, todo o sistema irá desmoronar.
No entanto, as evidências fornecidas pelo passado são que eles só são finitos em teoria. Contrariando as expectativas, embora o uso de energia e matérias-primas por parte da humanidade tenha crescido nos últimos séculos, a quantidade disponível para nossa exploração de fato aumentou. Sempre que a escassez de um ou de outro ameaçou desacelerar o crescimento econômico, choveram investimentos em pesquisa científica e em pesquisa tecnológica. Essas invariavelmente produziram não só maneiras mais eficazes de explorar os recursos existentes como também tipos completamente novos de energia e materiais.
Considere a indústria de veículos. Nos últimos 300 anos, a humanidade fabricou bilhões de veículos – de carroças e carrinhos de mão a trens, carros, jatos supersônicos e naves espaciais. Seria de se esperar que tal esforço imenso exaurisse as fontes de energia e as matérias-primas disponíveis para a produção de veículos e que hoje estivéssemos raspando o fundo do barril. Mas aconteceu o oposto. Enquanto, em 1700, a indústria de veículos global dependia quase exclusivamente de madeira e de ferro, hoje tem à sua disposição uma abundância de materiais recém-descobertos, como plástico, borracha, alumínio e titânio, nenhum dos quais nossos ancestrais sequer conheciam. Enquanto, em 1700, as carroças eram construídas principalmente por meio da força física de carpinteiros e ferreiros, hoje as máquinas nas fábricas da Toyota e da Boeing são alimentadas por motores de combustão de petróleo e usinas de energia nuclear. Uma revolução similar ocorreu em quase todos os outros setores da indústria. Podemos chamar isso de Revolução Industrial.
Durante milênios antes da Revolução Industrial, os humanos já sabiam como usar uma grande variedade de fontes de energia. Eles queimavam madeira a fim de derreter ferro, aquecer casas e assar bolos. Navios a vela usavam a energia eólica para se mover, e moinhos d’água capturavam o curso de rios para moer grãos. Mas todas essas opções tinham problemas e limites claros. Não havia árvores disponíveis em toda parte, o vento nem sempre soprava quando era necessário, e a força da água só era útil para quem morava perto de um rio.
Um problema ainda maior é que as pessoas não sabiam como converter um tipo de energia em outro. Elas podiam usar o movimento do vento e da água para mover navios e moinhos de pedra, mas não para aquecer água ou derreter ferro. Inversamente, elas não podiam usar a energia produzida pela queima de madeira para fazer um moinho de pedra se mover. Os humanos só tinham uma máquina capaz de realizar tais truques de conversão de energia: o corpo. No processo natural do metabolismo, o corpo dos humanos e de outros animais queima combustíveis orgânicos conhecidos como alimentos e converte a energia liberada em movimento muscular. Homens, mulheres e animais podiam consumir grãos e carne, queimar seus carboidratos e gorduras e usar a energia para puxar uma carroça ou um arado.
Uma vez que os corpos humano e animal eram o único dispositivo de conversão de energia disponível, a energia muscular era essencial para quase todas as atividades humanas. Músculos humanos construíam carroças e casas, músculos de bois aravam campos e músculos de cavalos transportavam alimentos. A energia que alimentava essas máquinas musculares orgânicas vinham de uma única fonte: as plantas. Essas, por sua vez, obtinham energia do Sol. No processo de fotossíntese, capturavam energia solar e armazenavam-na em compostos orgânicos. Quase tudo que as pessoas fizeram ao longo da história foi abastecido pela energia solar capturada pelas plantas e convertida em energia muscular.
Consequentemente, a história humana foi dominada por dois ciclos principais: os ciclos de crescimento das plantas e os ciclos alternados de energia solar (dia e noite, verão e inverno). Quando a luz do Sol era escassa e quando os campos de trigo continuavam verdes, os humanos tinham pouca energia. Os celeiros ficavam vazios, os cobradores de impostos ficavam ociosos, os soldados tinham dificuldade para se locomover e lutar, e os reis tendiam a manter a paz. Quando o Sol brilhava e o trigo amadurecia, os camponeses colhiam as sementes e enchiam os celeiros. Os cobradores de impostos corriam para garantir sua parte. Os soldados retesavam os músculos e afiavam as espadas. Os reis convocavam conselhos e planejavam as campanhas seguintes. Todos eram abastecidos pela energia solar – capturada e armazenada na forma de trigo, arroz e batata.
Yuval Noah Harari, in Sapiens: uma breve história da humanidade