Ódio:
o que o grupo político rival sente. Já nós somos cândidos e
gostamos de ouvir o contraditório.
Golpe:
está constantemente sendo promovido pelo grupo rival na mídia, no
judiciário, no aparelhamento de estatais, na doutrinação de
escolas e universidades.
Classe
média: todo mundo o é quando fala do próprio salário, ninguém o
é quando discute cultura ou moral.
Povo:
entidade cuja versão não manipulada aparece somente nas
manifestações que apoiamos, sejam elas a marcha na Paulista em
2015, as jornadas de junho de 2013, o “Fora, FHC” ou os
caras pintadas vestindo as cores da CBF.
PM:
instituição tão competente na contagem de multidões quanto em
direitos humanos.
Militante
de direita: indivíduo com diferentes aplicações dos conceitos
de competência e ética se a riqueza natural em debate for água
ou petróleo, se o meio de transporte for metrô ou bicicleta.
Militante
de esquerda: indivíduo cujas aplicações dos conceitos de
competência e ética, assim como a habilidade de interpretar
textos, números e imagens, estão suspensos até que se
institua a solução estrutural para os males do universo
–o financiamento público de campanha.
Ajuste
fiscal: o que a oposição ataca, quando não é governo.
Presunção
de inocência: o que o governo defende, quando não é oposição.
Empresário
liberal: a depender dos amigos que tiver, pode virar nacional
desenvolvimentista de si próprio.
Jornalista
“independente”: se precisa obsessivamente se declarar como tal,
as aspas saem do adjetivo e grudam na conduta.
Movimentos
sociais: entidades que, ensinam os manuais políticos em
sua comovente ingenuidade, estão aí para fazer barulho sem
discriminar contra quem.
Exército:
parafraseando Clemenceau, o futuro democrático sob militares está
para a democracia assim como a música militar está para a
música.
Bancos:
instituições que usam juros de 12,75% para pagar salários de uns
75,12% dos palpiteiros do debate público.
Palpiteiros
mais divertidos, financiados ou não por bancos: autores ou
apoiadores do
Plano Cruzado, da Tablita, do Plano Verão, do
sequestro da poupança, da
sobrevalorização cambial continuada
e de outras medidas de sucesso da história
recente do país.
Humanismo:
doutrina morta em algum ponto entre o fim do século 20 e o início
do 21, cuja presunção de universalismo foi soterrada por
demandas de grupos de interesse –algumas legítimas e
urgentes, outras ilegítimas e perdidas no tempo, no espaço e
na lógica elementar.
Marketing:
ciência capaz de atribuir slogans como “pátria educadora” a um
governo que não compra livros para suas bibliotecas e escolas.
Bancada
evangélica: em meio ao problema todo, resolveu protestar contra o
beijo gay na novela.
Sibá
Machado: em meio ao problema todo, descobriu que a culpa é da
CIA.
Carmen Mayrink Veiga: esclarecendo um aspecto ainda não
percebido do problema,
elogiou o terno verde da Dilma.
Democracia
representativa: o que está aí. A frase basta por em si
só. Alternativas a esse sistema: a história humana está aí.
A frase basta por si só.
Últimos
20 anos: dois blocos disputando cargos. Por algum tempo, em prazos
e graus distintos, ambos melhoraram a vida da população. Nos
dois exemplos, isso acabou por circunstâncias e escolhas. Entre
as escolhas, a de sentar confortavelmente sob a lona e assistir
ao circo parlamentarista do PMDB.
Urna
eletrônica: tela com nomes de representantes dos dois blocos, mais
um ou outro que não tem chance e que, se tivesse, provavelmente
compraria ingresso e bateria palma para o espetáculo.
Palhaço:
quem aperta um dos botões na tela. Palhaço que, além de votar nulo
ou mal, escreve coluna louvando a própria falta de convicção:
espécie de comentarista de portal ao contrário, mas que (não) é
levado a sério na mesma medida.
Amigos:
em meio ao que virou o debate público brasileiro, convictos ou não,
meu amor por vocês segue incondicional.
Amor:
fogo que arde sem se ver, solitário andar por entre a gente.
Futuro:
algo entre a Itália, a Rússia e a Argentina, com toques de “House
of Cards” e revisita (sempre) a José Sarney.
Michel
Laub, in Folha de S. Paulo, 27/03/2015