segunda-feira, 23 de março de 2015

Espelho

Rocamadour, já sei que és como um espelho. Estás dormindo ou olhando os pés. Eu aqui seguro um espelho e creio que és tu. Mas não acredito nisso, escrevo-te porque não sabes ler. Se soubesses, não te escreveria ou escreveria coisas importantes. O dia chegará em que terei de escrever para recomendar que tu te comportes ou que te agasalhes. Parece incrível que alguma vez Rocamadour. Agora, somente te escrevo no espelho, de vez em quando tento secar o dedo, porque fica molhado com as lágrimas. Por que, Roucamadour? Não estou triste, tua mamãe é uma tola, queimei o borsch que tinha feito para Horacio; sabe muito bem quem é Horacio, Rocamadour, é aquele senhor que, no domingo, levou-te um coelhinho de feltro e que se aborrecia muito porque tu e eu falávamos tanto e ele queria voltar a Paris; foi então que começaste a chorar e ele mostrou como o coelhinho mexia as orelhas; nesse momento, ele ficou muito bonito, estou falando de Horacio, algum dia compreenderás, Rocamadour.”
Julio Cortázar, in O jogo da amarelinha

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