Chegou
o miserável milionário no céu e, impacientemente, esperou a sua
vez de ser julgado. Introduziram-no numa sala, noutra sala, noutra
sala, até que se viu frente a uma luz ofuscante, na qual pouco a
pouco foi distinguindo
a figura santa do pai dos Homens. Em voz tonitroante este, tendo à
direita, Pedro, e, à esquerda, uma figura que ele não conhecia,
julgou sumariamente dois outros pecadores que estavam à sua frente.
E, afinal, dirigiu-se a ele:
-
Que fez você de bom na sua vida?
-
Bem, eu nasci, cresci, amei, casei, tive filhos, vivi.
-
Ora - disse o Senhor - isso são atos
sociais e biológicos a que você estava destinado. Quero saber que
bondade específica e determinada você teve para com o seu
semelhante.
-
Bem - disse o milionário - eu criei indústrias, comprei fazendas,
dei emprego a muita gente, melhorei as condições sociais de muita
gente.
-
Não, isso não serve - disse o Todo-Poderoso - essas ações
estavam implícitas ao ato
de você enriquecer. Você as praticou porque precisava viver melhor.
Não foram intrinsecamente boas ações,
desprendidas, não servem.
O
milionário escarafunchou o cérebro e não encontrou nada. Em
verdade, passara uma vida egoísta, pensando apenas em si mesmo.
Nunca o preocupara seu semelhante, nunca olhara para o ser humano a
seu lado senão como uma fonte de lucro para as suas indústrias.
Mas, de repente, lembrou-se
das obras de filantropia.
-
Ah - disse, puxando uma caderneta - aqui está. Uma vez dei cem
cruzeiros para uma velhinha da Casa dos Artistas, outra vez contribuí
com duzentos cruzeiros para o Hospital dos Alienados e outra vez
contribuí com quinhentos cruzeiros para a Fundação das Operárias
de Jesus.
-
Só? - perguntou Deus.
-
Só - disse o milionário contrafeito.
-
Josué! - gritou o Todo-Poderoso -, dê oitocentos cruzeiros ao
cavalheiro aqui e que vá para o Inferno.
Moral:
Amor com amor se
paga e o dinheiro com dinheiro também.
Millôr
Fernandes, in
Pif-paf