terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O que chamamos de vida


Há certas circunstâncias e ocasiões bizarras neste estranho e caótico negócio que chamamos de vida nas quais um homem considera todo o universo uma grande piada, ainda que mal perceba a sua graça, e mal do que suspeita que a piada seja feita à sua custa e de mais ninguém. No entanto, nada o desanima, e nada parece valer o esforço de uma disputa. Ele engole todos os acontecimentos, todas as crenças e credos, e convicções, todas as coisas difíceis, visíveis ou invisíveis, pouco importando quão intricadas sejam; como uma avestruz de estômago poderoso devora cartuchos e pedras de fuzis. Quanto às pequenas dificuldades e preocupações, expectativas de desastres súbitos, perigo de vida ou ferimentos; tudo isso e a própria morte lhe parecem apenas manhosos e bem-humorados safanões, tapas nas costas dados pelo galhofeiro invisível e inexplicável. Esse tipo estranho de humor caprichoso ao qual me refiro assola o homem apenas nos momentos de tribulação extrema; assola-o em meio à sua seriedade, de tal modo que aquilo que lhe parecia uma coisa muito importante se afigura, então, como parte da piada geral. Não há nada como os perigos da pesca da baleia para gerar esse tipo indulgente e liberto de filosofia genial daquele que não tem nada a perder; e assim eu agora encarava toda a viagem do Pequod, e a grande Baleia Branca, seu propósito.”
Herman Melville, in Moby Dick

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