“Há
uma coisa que se chama tempo, Rocamadour, é como um bicho que anda e
anda. Não posso explicar porque ainda és muito pequeno, mas quero
dizer que Horácio
vai chegar daqui há pouco. Achas que devo deixar ele ler esta carta,
para que também te escreva qualquer coisa? Não, eu não desejaria
que outra pessoa lesse uma carta que fosse somente para mim. Um
grande segredo entre nós Rocamadour. Já não choro mais, estou
contente, mas é tão difícil entender as coisas, preciso tanto
tempo para entender um pouco daquilo que Horácio
e os outros compreendem tão depressa; mas eles, que tudo compreendem
tão bem, não podem compreender nem a ti, nem a mim, não
compreendem que não posso te ter comigo, te dar de comer, e trocar
tuas fraldas, te fazer dormir ou brincar, não compreendem e, na
realidade, pouco se importam. Só eu que tanto me importo, sei que
não posso te ter comigo, sei que isso é muito ruim para nós
dois, sei que preciso estar sozinha com Horácio,
quem sabe até quando, ajudando-o a procurar o que ele procura e que
tu também procurarás, Rocamadour, porque serás um homem e também
procurarás como um grande tolo.”
Julio
Cortázar,
in O jogo
da amarelinha
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