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Daí,
eu caçava o jeito de me espairecer, junto com todos. Conversas com o
Catôcho, com Jõe Bexiguento, com o Vove, com o Feijó ― de mais
sisudez ― ou com Umbelino ― o de cara de gato. Se ria, fora de
aperreio de combate muito se vadiava. Assim-assei, naquela influição.
Vinha ordem, então a gente se reunia em bando grande, depois tornava
a em grupozinhos se apartar. A guerra era a igual. E ali dava de se
sentir o faltoso e o imperfeito, como no mais acontece, em quantidade
maior. O São Francisco não é turvo sempre? E o que se falava mais
era em mulher? Isso fazia muito boa falta. Cada um queria delas, no
que só pensava. As mocinhas próprias de se provar, ou rua alegre
cheia de alegria ― o bom sempre melhor, o bom. Amigo meu, o
Umbelino ― esse que dizia! que, por não ter mulher ali, se tinha
de muito lembrar. Ele era do Rio Sirubim, de um lugar para trás das
cachoeiras.Valia como companheiro, capaz darmas. Que que pequeno, era
bom. Relembrava! ― Já tive uma mulher amigável só minha, na
Rua-do-Alecrim, em São Romão, e outra, mais, na Rua-do Fogo...
Essas conversas, com o calor. Calor em que cão pendura a língua, o
senhor sabe. Já viu, por aí? Em Januária ou São Francisco, tinha
estação de tempo em que não se podia deixar um ovo guardado! com
umas duas ou três horas, já se estragava. Todos contavam estórias
de raparigas que tinham sido simples somente; essas senvergonhagens.
Mas, de noite ― é de crer? ― a gente sabia dos que queriam
qualquer reles suficiente consolo. E eram brabos sarados guerreiros,
que nunca noutro ar. Coisas. Canta que cantavam, de dia, nenhum sabia
pé-de-verso direito, ou não queriam ensinar, era só aquela
invenção, e cantando fanhoso no nariz. Ou ficavam dizendo graças e
ditérios. Nem feito meninos não sendo. Por esse sem-que-fazer, a
gente ainda mais comia, quase que por divertimento. Os uns iam torar
palmito, colher mandioca em mandiocalzinho sem dono, dono tinha
fugido longe. Gostei de favas do mato, muito muricí, quixaba e jaca.
O Fonfrêdo tinha um blilbloquê, a gente brincava de jogar. Tudo
jogado a dinheiro baixo. Os espertos, teve quem pôs a jogo até
bentinho de pescoço, sem dizer desrespeito. E faziam negócio desses
breves, contado que alguns arrumavam até escapulários falsos. Deus
perdoa? O senhor podia perguntar! Deus, para qualquer um jagunço,
sendo um inconstante patrão, que às vezes regia ajuda, mas, outras
horas, sem espécie nenhuma, desandava de lá ― proteção se
acabou, e ― pronto! marretava! Que rezavam. Jõe Bexiguento, mesmo,
quis que diversos tomassem parte em novena, numa mal rezada novena, a
santo de sua redobrada tenção, e a qual ele nem teve persistência
para nos dias medidos completar.
E
― mas ― o Hermógenes? Sobreveja o senhor o meu descrever! ele
vinha por ali, à refalsa, socapa de se rir e se divertir no meio dos
outros, sem a soberba, sendo em sendo o raposo meco. Naqueles dias
ele andava de pé-no-chão, mais com uma calça apertada nas canelas
e encurtada, e mesmo muito esmolambado na camisa. Até que de barba
grande, parecia um pedidor. E caminhava com os largos passos, mais o
muito nas pontas, vinha e ia com um sorrizinho besteante, rodeava por
toda a parte. Nem eu no achar mais que ele era o ferrabrás? O que
parecia, era que assim estivesse o tempo todo produzindo alguma
tramóia.
Estudei
uma dúvida. Ao que será que seria o ser daquele homem, tudo? Algum
tinha referido que ele era casado, com mulher e filhos. Como podia?
Ai-de vai, meu pensamento constante querendo entender a natureza
dele, virada diferente de todas, a inocência daquela maldade. A qual
me aluava. O Hermógenes, numa casa, em certo lugar, com sua mulher,
ele fazia festas em suas crianças pequenas, dava conselho, dava
ensino. Daí, saía. Feito lobisomem? Adiante de quem, atrás do que?
A cruz o senhor faça, meu senhor! Aí eu acreditei que tivesse de
haver mesmo o inferno, um inferno; precisava. E o demônio seria: o
inteiro, louco, o dôido completo ― assim irremediável.
Ah,
me aluei? O Hermógenes, esquipático, diverso. Comigo eu começava
numa espécie, o rôr, vontade de ir para perto, reparar em tudo que
fazia, dele escutar suas causas. Aos poucos, o incutido do incerto me
acostumando, eu não tirava isso da cabeça. O Hermógenes ― ele
dava a pena, dava medo. Mas, ora vez, eu pressentia: que do demónio
não se pode ter pena, nenhuma, e a razão está aí. O demónio
esbarra manso mansinho, se fazendo de apeado, tanto tristonho, e, o
senhor pára próximo ― aí então ele desanda em pulos e prezares
de dansa, falando grosso, querendo abraçar e grossas caretas ―
boca alargada. Porque ele é ― é dôido sem cura. Todo perigo. E,
naqueles dias, eu estava também muito confuso.
― Será,
o Hermógenes também gosta de mulheres? ― eu careci de saber,
perguntei. ― Eh. Aprecêia não. Só se não gosta... ― um disse.
― Quà. Acho que ele gosta demais é só nem dele mesmo, demais,
demais... ― algum outro atalhou. Que ele era assim ― eu fiquei em
pausas ―: e os companheiros todos sabiam do ser; e achavam então
que ato assim era possível natural?! Como que não achavam? Até,
por eu ter o assunto, já um vinha: ― Daqui a seis léguas, é a
baixada do Brejinho ― lá tem logradouro. Tem fêmeas... Esse que
disse era o Dute, me parece; ou foi outro. Mas o Catôcho desafirmou:
que tinha estado lá, não viu ar de mulher-da-vida nenhuma, só uma
vendinha de roça e uma velha pitando cachimbo, no batente duma
porta, pitando cachimbo e trançando peneiras. Que queriam mulheres
principalmente a fim, estava certo; eu também. Eu queria, com as
faces do corpo, mas também com entender um carinho e melhor-respeito
― sempre a essas do mel eu dei louvor de meu agradecimento. Renego
não, o que me é de doces usos! graças a Deus toda a vida tive
estima a toda meretriz, mulheres que são as mais nossas irmãs, a
gente precisa melhor delas, dessas belas bondades. Mas o Lindorífico
lembrava um pagode, em algum ao lugarejo, para baixo de lá! do que
batucavam, o propuxado das sanfonas, cachaça muita, as mulheres
vinham dar umbigadas, tiravam a roupa, cavalheiros levavam damas nas
môitas, no escuro do sêbo; outros desafiavam outros para brigar.
Para que? Por que não gozar o geral, mas com educação, sem as
desordens? Saber aquilo me entristecia. Tem coisas que não são de
ruindade em si, mas danam, porque é ao caso de virarem, feito o que
não é feito. Feito a garapa que se azéda. Viver é muito perigoso,
já disse ao senhor. No mais, mal me lembro, mas sei que, naqueles
dias, eu estive muito maltrapilho. Em que era que eu podia achar
graça? De manhã, quando eu acordava, sempre supria raiva. Um me
disse que eu estava estando verde, má cara de doença ― e que
devia de ser de fígado. Pode que seja, tenha sido. O Paspe, que
cozinhava, cozinhou para mim os chás! o de macela, o de erva-dôce,
o de losna. Oi. Dôr, mesmo, nenhuma eu não tinha. Somente
perrengueava.
Do
que de uma feita, por me valer, eu entendi o casco de uma coisa. Que,
quando eu estava assim, cada de-manhã, com raiva de uma pessoa,
bastava eu mudar querendo pensar em outra, para passar a ter raiva
dessa outra, também, igualzinho, soflagrante. E todas as pessoas,
seguidas, que meu pensamento ia pegando, eu ia sentindo ódio delas,
uma por uma, do mesmo jeito, ainda que fossem muito mais minhas
amigas e eu em outras horas delas nunca tivesse tido quizília nem
queixa. Mas o sarro do pensamento alterava as lembranças, e eu
ficava achando que, o que um dia tivessem falado, seria por me
ofender, e punha significado de culpa em todas as conversas e ações.
O senhor me crê? E foi então que eu acertei com a verdade fiel: que
aquela raiva estava em mim, produzida, era minha sem outro dono, como
coisa solta e cega. As pessoas não tinham culpa de naquela hora eu
estar passeando pensar nelas. Hoje, que enfim eu medito mais nessa
agenciação encoberta da vida, fico me indagando: será que é a
mesma coisa com a bebedice de amor? Toleima. O senhor ainda me
releve. Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho que Zé Bebelo, na
Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir
às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de
ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que
se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo
governando a ideia e o sentir da gente; o que isso era falta de
soberania, e farta bobice, e fato é. Zé Bebelo falava sempre com a
máquina de acerto ― inteligência só. Entendi. Cumpri. Digo:
reniti, fazendo finca-pé, em força para não esparramar raivas.