E o homem — no curral,
trangalhadançando, zureta, de afobafo — se propondo de arrear
cavalo! Me encostei nele, eu às ordens. Me olhou mal, conforme pior
que sempre. — “Tou meio precisado de nada...” — me
repeliu, e formou para si uma cara, das de desmamar crianças.
Concordei. Desabanou com a cabeça. Concordei com o não. Aí ele
sorriu, consigo meio mesmo. Mas mais me olhou, me desprezando,
refrando: — “Que, o que é, menino, é que é sério demais,
para você, hoje!” Me estorvo e estranhei, pelo peso das
palavras. Vi que a gente estávamos era em tempo-de-guerra, mas com
espadas entortadas; e que ele não ia apelar para manias antigas. E a
gente, mesmo, vesprando de se mandar buscar, por conta dele, o doutor
médico, da cidade, com sábias urgências! Jeito que, agora, o velho
me mandava pôr as selas. Bom desatino! Nem queria os nossos, mansos,
mas o baio-queimado, cavalão alto, e em perigos apresentado, que se
notava. E o pedresão, nem mor nem menor. Os amaldiçoados, estes não
eram de lá, da fazenda, senão que animais esconhecidos, pegados só
para se saber depois de quem fosse que sejam. Obedeci, sem outro
nenhum remédio de recurso; para maluco, maluco-e-meio, sei. O velho
me pespunha o azul daqueles seus grandes olhos, ainda de muito mando
delirados. Já estava com a barba no ar — aquela barba de se
recruzar e baralhar, de nenhum branco fio certo. Fez fabulosos
gestos. Ele estava melhor do que na amostra.
Mal pus pé em estrivos, já ele se saía
pela porteira, no que esporeava. E eu — arre a Virgem — em
seguimentos. Alto, o velho, inteiro na sela, inabalável, proposto de
fazer e acontecer. O que era se ser um descendente de sumas grandezas
e riquezas — um Iô
João-de-Barros-Diniz-Robertes! — encostado, em maluca
velhice, para ali, pelos muitos parentes, que não queriam seus
incômodos e desmandos na cidade. E eu, por precisado e pobre, tendo
de aguentar o restante, já se vê, nesta desentendida caceteação,
que me coisa e assusta, passo vergonhas. O cavalo baio-queimado se
avantajava, andadeiro de só espaços. Cavalo rinchão, capaz de
algum derribamento. Será que o velho seria de se lhe impor? Suave, a
gente se indo, pelo cerrado, a bom ligeiro, de lados e lados. O
chapéu dele, abado pomposo, por debaixo porém surgindo os compridos
alvos cabelos, que ainda tinha, não poucos. — “Ei, vamos,
direto, pegar o Magrinho, com ele hoje eu acabo!” — bramou,
que queria se vingar. O Magrinho sendo o doutor, o sobrinho-neto
dele, que lhe dera injeções e a lavagem intestinal. — “Mato!
Mato, tudo!” — esporeou, e mais bravo. Se virou para mim, aí
deu o grito, revelando a causa e verdade: — “Eu ’tou solto,
então sou o demônio!” A cara se balançava, vermelha, ele era
claro demais, e os olhos, de que falei. Estava crente, pensava que
tinha feito o trato com o Diabo!
P’r’onde vou? — a trote, a
gente, pelas esquerdas e pelas direitas, pisando o cascalharal, os
cavalos no bracear. O velho tendo boa mão na rédea. De mim, não há
de ouvir, censuras minhas. Eu, meus mal-estares. O encargo que tenho,
e mister, é só o de me poitar perto, e não consentir maiores
desordens. Pajeando um traste ancião — o caduco que não caia! De
qualquer repente, se ele, tão doente, por si se falecesse, que
trabalhos medonhos que então não ia haver de me dar? Minha mexida,
no comum, era pouca e vasta, o velho homem meu Patrão me danava-se.
Me motejou: — “Vagalume, você então pensa que vamos sair por
aí é p’ra fazer crianças?” A voz toda, sem sobrossos nem
encalques. E ia ter a coragem de viagem, assim, a logradouros — tão
sambanga se trajando? Sem paletó, só o todo abotoado colete, sujas
calças de brim sem cor, calçando um pé de botina amarela, no outro
pé a preta bota; e mais um colete, enfiado no braço, falando que
aquele era a sua toalha de se enxugar. Um de espantos! E, ao menos,
desarmado, senão que só com uma faca de mesa, gastada a fino e
enferrujada — pensava que era capaz, contra o sobrinho, o doutor
médico: ia pôr-lhe nos peitos o punhal! — feio, fulo. Mas, me
disse, com o pausar: — “Vagalume, menino, volta, daqui, não
quero lhe fazer enfrentar, comigo, riscos terríveis.” Esta,
então! Achava que tinha feito o trato com o Diabo, se dando agora de
o mor valentão, com todas as sertanejices e braburas. Ah, mas, ainda
era um homem — da raça que tivera — e o meu Patrão! Nisto,
apontava o dedo, para lá ou cá, e dava tiros mudos. Se avançou, à
frente, só avançávamos, a fora, por aí, campampantes.
Por entre arvoredos grandes, ora demos,
porém, com um incerto homem, desconfioso e quase fugidiço, em
incerta montada. Podia-se-o ver ou não ver, com um tal sujeito não
se tinha nada. Mas o velho adivinhou nele algum desar, se
empertigando na sela, logo às barbas pragas: — “Mal lhe irá!”
— gritou altamente. Aproximou seu cavalão, volumou suas presenças.
Parecia que lhe ia vir às mãos. Não é que o outro, no tir-te, se
encolheu, borrafofo, todo num empate? Nem pude regularizar o de meu
olhar, tudo expresso e distenso demais se passava. O velho achando
que esse era um criminoso! — e, depois, no Breberê, se sabendo:
que ele o era, de fato, em meios termos. Isto que é, que somente um
Sem-Medo, ajudante de criminoso, mero. Nem pelejou para se fugir,
dali donde moroso se achava; estava como o gato com chocalho. —
“Ai-te!” — o velho, sacudindo sua cabeça grande, sem
com que desenfezar-se: — “Pague o barulho que você comprou!”
— o intimava. O ajudante-de-criminoso ouviu, fazendo uns respeitos,
não sabendo o que não adiar. Aí, o velho deu ordem: — “Venha
comigo, vosmicê! Lhe proponho justo e bom foro, se com o sinal de
meu servidor...” E... É de se crer? Deveras. Juntou o homem
seu cavalinho, bem por bem vindo em conosco. Meio coagido, já se vê;
mas, mais meio esperançado.
Sem nem mais eu me sonhar, nem a quantas,
frigido de calor e fartado. Aquilo tudo, já se vê, expunha a
desarrazoada loucura. O velho, pronto em arrepragas e fioscas, no
esbrabejo, estrepa-e-pega. No gritar: — “Mato pobres
coitados!” Se figurava, nos trajos, de já ser ele mesmo o
demo, no triste vir, na capetagem?
Só de déu e em léu tocávamos, num
avante fantasmado. O ajudante-de-criminoso não se rindo, e eu ainda
mais esquivançando. Nisto, o visto: a que ia com feixinho de lenha,
e com a escarrapachada criança, de lado, a mulher, pobrepérrima. O
velho, para vir a ela, apressou macio o cavalo. Receei, pasmado para
tudo. O velho se safou abaixo o chapéu, fazia dessas piruetas, e
outras gesticulações. Me achei: — “Meu, meu, mau! Esta é
aquela flor, de com que não se bater nem em mulher!” Se bem
que as coisas todas foram outras. O velho, pasmosamente, do doidar se
arrefecia. Não é que, àquela mulher, ofereceu tamanhas cortesias?
Tanto mais quanto ele só insistindo, acabou ela afinal aceitando:
que o meu Patrão se apeou, e a fez montar em seu cavalo. Cuja rédea
ele veio, galante, a pé, puxando. Assim, o nosso
ajudante-de-criminoso teve de pegar com o feixe de lenha, e eu mesmo
encarregado, com a criança a tiracolo. Se bem que nós dois
montados; já se vê? — nessas peripécias de pato.
Só, feliz, que curta foi a farsalhança,
até ali a pouco, num povoado. Onde o destino dessa pobre e festejada
mulher, que se apeou, menos agradecida que envergonhada. Mas, veja
um, e reveja, em o que às vezes dá uma boa patacoada. Por fato que,
lá, havia, rústico, um “Felpudo”, rapaz filho dessa mulher. O
qual, num reviramento, se ateou de gratidões, por ver a mãe tão
rainha tratada. Mas o velho determinou, sem lhe dar atualmentes nem
ensejos: — “Arranja cavalo e vem, sob minhas ordens, para
grande vingança, e com o demônio!” Advirto, desse Felpudo:
tão bom como tão não, da mioleira. No que — não foi, quê? —
saiu, para se prover do dito cavalo; e vir, a muito adiante. Para
vexar o pejo da gente, nessa toda trapalhada. Das pessoas moradoras,
e de nós, os terceiros personagens. Mas, que ser, que haver? Os
olhos do velho se sucediam. Que estragos?
Se o que seja. Se boto o reto no correto:
comecei a me duvidar. Tirar tempo ao tempo. Mas, já a gente já
passávamos pelo povoadinho do M’engano, onde meu primo Curucutu
reside. Cujo o nome vero não é, mas sendo João Tomé Pestana;
assim como o meu, no certo, não seria Vagalume, só, só,
conforme com agrado me tratam, mas João Dosmeuspés Felizardo. Meu
primo vi, e a ele fiz sinal. Lhe pude dar, dito: — “Arreia
alguma égua, e alcança a gente, sem falta, que nem sei adonde ora
andamos, a não ser que é do Dom Demo esta empreitada!” Meu
primo prestes me entendeu, acenou. E já a gente — haja o galopar —
no encalço do velho, estramontado. Que, nisto de ainda mais se sair
de si, desadoroso, num outro assomo ao avante se lançava: — “Eu
acabo com este mundo!”
Aí, o mais: poeiras! Ao pino. E, depois
de uma virada, o arraial do Breberê, a gente ia dar de lá chegar,
de entrada. O vento tangendo, para nós, pedaços de toque de sinos.
Do dia me lembrei: que sendo uma Festa de Santo. E uns foguetes
pipoquearam, nesse interintintim, com no ar azuis e fumaças. O
Patrão parou a nós todos, a gesto, levantado envaidecido: — “Tão
me saudando!” — ele se comprouve, do a-tchim-pum-pum dos
foguetes, que até tiros. Não se podia dele discordar. Nós: o
ajudante-de-criminoso, o Felpudo filho da pobre mulher, meu primo
Curucutu; e eu, por ofício. Que, de galope, no arraial então
entrou-se, nós dele assim, atrasmente, acertados. No Breberê.
Foi danado. Lá o povo, se apinhando, no
largo enorme da igreja, procissão que se aguardava. Ô velho! —
ele veio, rente, perante, ponto em tudo, pá! p’r’ achato,
seu cavalão a se espinotear, z’t-zás...; e nós. Aí, o
povaréu fez vêvêvê: pé, p’rá lá, se esparziam. O velho
desapeou, pernas compridas, engraçadas; e nós. Meio o que pensei,
pus a rédea no braço: que íamos ter de pegar nos bentos tirantes
do andor. Mas, o velho, mais, me pondo em espantos. Vem chegando,
discordando, bradou vindas ao pessoal: — “Vosmicês!...”
— e sacou o que teria em algibeiras. E tinha. Vazou pelo fundo. Era
dinheiro, muitíssimas moedas, o que no chão ele jogava. Suspa e
ai-te! — à choldraboldra, desataram que se embolaram, e a se
curvar, o povo, em gatinhas, para poderem catar prodigiosamente
aquela porqueira imortal. Tribuzamos. Safanamos. Empurrou-se para
longe a confusão. No clareado, se tomou fôlego. Porém, durante
esse que-o-quê, o padre, à porta da igreja, sobrevestido se surgia.
O velho caminhou para o padre. Caminhou, chegou, dobrou joelho, para
ser bem abençoado; mas, mesmo antes, enquanto que em caminhando, fez
ainda várias outras ajoelhadas: — “Ele está com um vapor na
cabeça...” — ouvi mote que glosavam. O velho, circunspecto,
alto, se prazia, se abanava, em sua barba branca, sujada. — “Só
saiu de riba da cama, para vir morrer no sagrado?” — outro
senhor perguntava. O que qual era um “Cheira-Céu”,
vizinho e compadre do padre. Mais dizia: — “A ele não
abandono, que devo passados favores à sua estimável família.”
Ouviu-o o velho: — “Vosmicê, venha!” E o outro, baixo
me dizendo: — “Vou, para o fim, a segurar na vela...” —
assentindo. Também quis vir um rapaz Jiló; por ganâncias de
dinheiro? O velho, em fogo: — “Cavalos e armas!” —
queria. O padre o tranquilizou, com outra bênção e mão beijável.
Já menos me achei: — “Lá se avenha Deus com o seu mundo...”
Montou-se, expediu-se, esporeou-se, deixando-se o Breberê para trás.
Os sinos em toada tocavam.
Seja — galopes. Depois de nenhum
almoço, meio caminho desandado; isto é, caminho-e-meio. Ao que, o
velho: pá! impava. Aí, em beira da estrada-real, parava o
acampo dos ciganos. — “Tira lá!” — se teve: aos com
cachorros e meninos, e os tachos, que consertavam. No burloló, esses
ciganos, em tretas, tramóias, zarandalhas; cigano é sempre
descarado. No entendimento do vulgo: pois, esses, propunham
cangancha, de barganhar todos os cavalos. — “À p’r’-a-parte!
Cruz, diabo!” Mas o velho convocou; e um se quis, bandeou com a
gente. O cigano Pé-de-Moleque; para possíveis patifarias? Me tive
em admirações. Tantos vindo, se em seguida. Assim, mais um Gouveia
“Barriga-Cheia”, que já em outros tempos, piores, tinha sido
ruim soldado. Já me vejo em adoidadas vantagens?
Assim a gente, o velho à frente —
tiplóco... t’plóco... t’plóco... — já era cavalaria.
Mais um, ainda, sem cujo nem quem: o vagabundo “Corta-Pau”; o
sem-que-fazer, por influências. A gente, com Deus: onze! Ao adiante
— tira-que-tira — num sossego revoltoso. Eu via o velho, meu
Patrão: de louvada memória maluca, torre alta. Num córrego, ele
estipulou: — “Os cavalos bebem. A gente, não. A gente não
tenha sede!” Por áspera moderação, penitência de ferozes. O
Patrão, pescoço comprido, o grande gogó, respeitável. O rei!
guerreiro. Posso fartar de suar; mas aquilo tinha para grandezas.
— “Mato sujos e safados!” —
o velho. Os cavalos, cavaleiros. Galopada. A gente: treze... e
quatorze. A mais um outro moço, o “Bobo”, e a menos um
“João-Paulino”. Aí, o chamado “Rapa-pé”, e
um amigo nosso por nome anônimo; e, por gostar muito de folguedos, o
preto de Gorro-Pintado. Todos vindos, entes, contentes, por algum
calor de amor a esse velho. A gente retumbava, avantes, a gente
queria façanhas, na espraiança, nós assoprados. A gente queria
seguir o velho, por cima de quaisquer ideias. Era um desembaraçamento
— o de se prezar, haja sol ou chuva. E gritos de chegar ao ponto: —
“Mato mortos e enterrados!” — o velho se pronunciava.
Ao que o velho sendo o que era por-todos,
o que era no fechar o teatro. — “Vou ao demo!” —
bramava. — “Mato o Magrinho, é hoje, mato e mato, mato,
mato!” — de seu sobrinho doutor, iroso não se olvidava.
Súspe-te! que eu não era um porqueira; e quem não entende dessas
seriedades? Aí o trupitar — cavalos bons! — que quem visse se
perturbasse: não era para entender nem fazer parar. Fechamos nos
ferros. — “Vigie-se, quem vive!” — espandongue-se. Não
era. Num galopar, ventos, flores. Me passei para o lado do velho,
junto — ... tapatrão, tapatrão... tarantão... tarantão...
— e ele me disse: nada. Seus olhos, o outro grosso azul, certeiros,
esses muito se mexiam. Me viu mil. — “Vagalume!” — só,
só, cá me entendo, só de se relancear o olhar . — “João é
João, meu Patrão...” Aí: e — patrapão, tampantrão,
tarantão... — cá me entendo. Tarantão, então... — em nome
em honra, que se assumiu, já se vê. Bravos! Que na cidade já se ia
chegar, maiormente, à estrupida dos nossos cavalos, desbestada.
Agora, o que é que ia haver? — nem
pensei; e o velho: — “Eu mato! Eu mato!” Ia já alta a
altura. — “Às portas e janelas, todos!” — trintintim,
no desbaralhado. E eu ali no meio. O um Vagalume, Dosmeuspés, o
Sem-Medo, Curucutu, Felpudo, Cheira-Céu, Jiló, Pé-de-Moleque,
Barriga-Cheia, Corta-Pau, Rapa-pé, o Bobo, o Gorro-Pintado; e o
sem-nome nosso amigo. O Velho, servo do demo — só bandeiras
despregadas. O espírito de pernas-para-o-ar, pelos cornos da
diabrura. E estávamos afinal-de-contas, para cima de outros degraus,
os palhaços destemidos. Estávamos, sem até que a final. Ah, já
era a rua. A cidade — catastrapes! Que acolhenças?
A cidade, estupefacta, com automóveis e
soldados. Aquelas ruas, aldemenos, consideraram nosso maltrupício. A
gente nem um tico tendo medo, com o existido não se importava. Ah, e
o Velho, estardalhão? — que jurava que matava. Pois, o demo!
vamos... O Velho sabia bem, aonde era o lugar daquela casa.
Lá fomos, chegamos. A grande, bela casa.
O meu em glórias Patrão, que saudoso. Ao chegar a este momento,
tenho os olhos embaciados. Como foi, crente, como foi, que ele tinha
adivinhado? Pois, no dia, na hora justa, ali uma festa se dava. A
casa, cheia de gente, chiquetichique, para um batizado: o de filha do
Magrinho, doutor! Sem temer leis, nem flauteio, por ali entramos, de
rajada. Nem ninguém para impedimento — criados, pessoas,
mordomado. Com honra. Se festava!
Com surpresas! A família, à reunida, se
assombrava gravemente, de ver o Velho rompendo — em formas de
mal-ressuscitado; e nós, atrás, nesse estado. Aquela gente, da
assemblança, no estatelo, no estremunho. Demais. O que haviam: de
agora, certos sustos em remorsos. E nós, empregando os olhos, por
eles. O instante, em tento. A outra instantaneação. Mas, então,
foi que de repente, no fechar do aberto, descomunal. O Velho nosso,
sozinho, alto, nos silêncios, bramou — dlão! — ergueu os
grandes braços:
— “Eu pido a palavra...”
E vai. Que o de bem se crer? Deveras, que
era um pasmar. Todos, em roda de em grande roda, aparvoados mais,
consentiram, já se vê. Ah, e o Velho, meu Patrão para sempre,
primeiro tossiu: bruba! — e se saiu, foi por aí embora a
fora, sincero de nada se entender, mas a voz portentosamente, sem
paradas nem definhezas, no ror e rolar das pedras. Era de se
suspender a cabeça. Me dava os fortes vigores, de chorar. Tive mais
lágrimas. Todos, também; eu acho. Mais sentidos, mais calados. O
Velho, fogoso, falava e falava. Diz-se que, o que falou, eram
baboseiras, nada, ideias já dissolvidas. O Velho só se crescia.
Supremo sendo, as barbas secas, os históricos dessa voz: e a cara
daquele homem, que eu conhecia, que desconhecia.
Até que parou, porque quis. Os parentes
se abraçavam. Festejavam o recorte do Velho, às quantas, já se vê.
E nós, que atrás, que servidos, de abre-tragos, desempoeirados.
Porque o Velho fez questão: só comia com todos os dele em volta,
numa mesa, que esses seus cavaleiros éramos, de doida escolta, já
se vê, de garfo e faca. Mampamos. E se bebeu, já se vê. Também o
Velho de tudo provou, tomou, manjou, manducou — de seus próprios
queixos. Sorria definido para a gente, aprontando longes. Com
alegrias. Não houve demo. Não houve mortes.
Depois, ele parou em suspensão, sozinho
em si, apartado mesmo de nós, parece’que. Assaz assim encolhido,
em pequenino e tão em claro: quieto como um copo vazio. O caseiro Sô
Vincêncio não o ia ver, nunca mais, à doidiva, nos escuros da
fazenda. Aquele meu esmarte Patrão, com seu trato excelentriste —
Iô João-de-Barros-Diniz-Robertes. Agora, podendo daqui para
sempre se ir, com direito a seu inteiro sossego. Dei um soluço,
cortado. Tarantão — então... Tarantão... Aquilo é que era!