A Mão de Deus (1898), de Auguste Rodin
Com a cabeça dobrada sobre o peito,
ruminava as palavras de Zorba e, subitamente, me veio ao espírito um
cidade longínqua, coberta de neve. Havia parado para olhar, numa
exposição de obras de Rodin, uma enorme mão de bronze, a Mão
de Deus. A palma estava entreaberta e, no meio desta palma,
estáticos, enlaçados, lutavam e se confundiam um homem e uma
mulher.
Uma mocinha se aproximou e parou a meu
lado. Perturbada também, olhava o inquietante e eterno abraço do
homem e da mulher. Ela era esguia, bem vestida, espessos cabelos
louros, um queixo forte e lábios finos. E eu, que detesto
comprometer-me em conversas fáceis, não sei o que me deu. Voltei-me
para ela:
— Em que pensa? — perguntei.
— Se ao menos pudéssemos escapar! —
murmurou ela com desgosto.
— Para ir aonde? A mão de Deus está
por toda a parte. Não há salvação. Você o lamenta?
— Não. Pode ser que o amor seja a
alegria mais intensa que existe na terra. É possível. Mas, vendo
esta mão de bronze, tenho vontade de fugir dele.
— Você prefere a liberdade?
— Sim.
— Mas, se não é senão quando
obedecemos à mão de bronze que somos livres? Se a palavra de adeus
não tivesse o sentido cômodo que lhe dá o povo?
Ela me olhou, inquieta. Seus olhos eram
de um cinza metálico, seus lábios secos e amargos.
— Não compreendo — disse ela, e
afastou-se como se assustada.
Desapareceu. E desde então não havia me
lembrado dela. E, no entanto, ela vivia certamente em mim, sob a
campa de meu peito — e hoje, nesta costa deserta, ei-la que surge
do fundo de meu ser, pálida e queixosa.
Sim, tinha me comportado mal; Zorba tinha
razão. Era um bom pretexto para aquela mão de bronze, feito o
primeiro contato, as primeiras palavras doces pronunciadas, e nós
poderíamos, pouco a pouco, sem tomar consciência nem um nem outro,
nos abraçar e unir na palma de Deus. Mas, havia-me lançado
bruscamente da terra ao céu, e a mulher espantada fugira.
Nikos Kazantzakis, in Zorba, o Grego
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