quarta-feira, 31 de julho de 2013
Paradoxos
“Você pensa honestamente, por isso acaba
por odiar o mundo inteiro. Você detesta os crentes porque a fé é um indicador
de estupidez e ignorância; e detesta os descrentes porque não têm fé nem ideal.
Odeia os velhos pelas suas mentalidades ultrapassadas, e os novos pelo seu
liberalismo.”
Tchekhov
Benefício
-
Não me podes negar um fato, disse ele; é que o prazer do beneficiador é sempre maior
do que o do beneficiado. Que é o benefício? É um ato que faz cessar certa
privação do beneficiado. Uma vez produzido o efeito essencial, isto é, uma vez
cessada a privação, torna o organismo ao estado anterior, ao estado
indiferente. Supõe que tens apertado em demasia o cós das calças; para fazer
cessar o incômodo, desabotoas o cós, respiras, saboreias um instante de gozo, o
organismo torna à indiferença, e não te lembras dos teus dedos que praticaram o
ato. Não havendo nada que perdure, é natural que a memória se esvaeça, porque
ela não é uma planta aérea, precisa de chão. A esperança de outros favores, é
certo, conserva sempre no beneficiado a lembrança do primeiro; mas este fato,
aliás um dos mais sublimes que a filosofia pode achar em seu caminho,
explica-se pela memória da privação, ou, usando de outra fórmula, pela privação
continuada na memória, que repercute a dor passada e aconselha a precaução do
remédio oportuno.
Não
digo que, ainda sem esta circunstância, não aconteça, algumas vezes, persistir
a memória do obséquio, acompanhada de certa afeição mais ou menos intensa; mas
são verdadeiras aberrações, sem nenhum valor aos olhos de um filósofo.
-
Mas, repliquei eu, se nenhuma razão há para que perdure a memória do obséquio
no obsequiado, menos há de haver em relação ao obsequiador. Quisera que me
explicasses este ponto.
-
Não se explica o que é de sua natureza evidente, retorquiu o Quincas Borba; mas
eu direi alguma coisa mais. A persistência do benefício na memória de quem o
exerce explica-se pela natureza mesma do benefício e seus efeitos.
Primeiramente, há o sentimento de uma boa ação, e dedutivamente a consciência
de que somos capazes de boas ações; em segundo lugar, recebe-se uma convicção
de superioridade sobre outra criatura, superioridade no estado e nos meios; e
esta é uma das cousas mais legitimamente agradáveis, segundo as melhores
opiniões, ao organismo humano. Erasmo, que no seu Elogio da Loucura escreveu algumas coisas boas, chamou a atenção
para a complacência com que dois burros se coçam um ao outro. Estou longe de
rejeitar essa observação de Erasmo; mas direi o que ele não disse, a saber, que
se um dos burros coçar melhor o outro, esse há-de ter nos olhos algum indício
especial de satisfação.
Por que é que uma mulher bonita olha
muitas vezes para o espelho, senão porque se acha bonita, e porque isso lhe dá
uma certa superioridade sobre uma multidão de outras mulheres menos bonitas ou
absolutamente feias? A consciência é a mesma cousa; remira-se a miúdo, quando
se acha bela. Nem o remorso é outra coisa mais do que o trejeito de uma consciência
que se vê hedionda.
Machado
de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
Amor: sem sofrimentos
“Não confundas o amor com o delírio da
posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião
comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do
amor, esse é que faz sofrer.”
Antoine
de Saint-Exupéry
terça-feira, 30 de julho de 2013
Livro revela atestado de loucura do artista Bispo do Rosário e sua carreira de lutador
Um detalhe chama
a atenção no primeiro prontuário médico escrito sobre Arthur Bispo do Rosário.
Descrito como "calmo, de olhar vivo", com "ares de
importância" e "fisionomia alegre", o paciente também podia
associar "ideias com extravagância".
Não parece o
diagnóstico de um louco, mas esse documento atestou loucura suficiente para que
o artista sergipano, que morreu aos 80, em 1989, ficasse internado primeiro no
hospício da Praia Vermelha e mais tarde na Colônia Juliano Moreira, no Rio.
Entre outros
fatos, "Arte
Além da Loucura" dá detalhes sobre o surto que levou Bispo
do Rosário a ser trancafiado num hospício e sobre sua vida antes, como lutador
de boxe e oficial da Marinha.
São dados que
dissolvem uma série de mitos, em um momento de redescoberta da obra de Bispo do
Rosário, exaltado como figura central da última Bienal de São Paulo e ocupando
agora uma sala na Bienal de Veneza, com seus mantos e estandartes.
"Ele não
vivia em estado permanente de delírio, sabia das coisas", diz Morais, em
entrevista à Folha. "Essa ideia meio romântica da loucura não existe. Ele
sabia o que estava fazendo o tempo todo e se tornou uma figura poderosa dentro
do hospital. Há uma ordem interna muito forte no trabalho dele."
Mesmo que não
falasse sobre o passado, detalhes de sua vida estão documentados nos
estandartes que bordou: da infância numa fazenda de cacau na Bahia à ida ao Rio
como marinheiro, passando por sua carreira de pugilista.
São avalanches de
nomes escritos em ordem alfabética, os mais importantes bordados do lado de
dentro de seu "Manto da Apresentação". Além do nome do pai, Bispo
lembrou ali alguns adversários que enfrentou no ringue.
LOBO DO MAR
Não eram
histórias inventadas. Jornais da época narravam de forma assídua os embates do
lutador que nunca foi nocauteado e ficou conhecido como "lobo do
mar", ou "marujo de bronze", dotado de "dureza
granítica".
Em 1929,
reportagem do "A Manhã" descreveu sua primeira luta profissional como
"encarniçada", afirmando que ela "arrancou aplausos pela
violência dos lutadores".
Mas depois que um
bonde esmagou um osso de seu pé, Bispo deixou o ringue e foi trabalhar como
empregado doméstico na casa da família Leone, uma das mais ricas e poderosas do
Rio na época.
Humberto Leone,
um dos herdeiros do clã, conta que Bispo era vaidoso e se vestia "com
luxo", usava gravatas de seda e perfume francês.
Isso até o Natal
de 1938, quando teve os três sonhos que o levaram a se apresentar num mosteiro
como um enviado divino, que veio à Terra numa esteira de nuvens para impedir
que o "espírito malíssimo" aqui chegasse.
Naquele primeiro prontuário, estão
descritas suas alucinações, entre elas o sonho de uma "chuva de
estrelas", que "explodiam fazendo barulhos incríveis", como se
imaginasse o próprio destino de brilhar noutro ringue.
Fonte: www1.folha.uol.com.br/ilustrada
A natureza das coisas, com Flávio José
Oh! chá lá lá lá lá lá lá
Oh! chá lá lá lá lá lá lá
Oh! chá lá lá lá lá lá lá
Oh! chá lá lá lá
lá lá lá
Oh! coisa boa é namorar
Oh! coisa boa é namorar
Se avexe não
Amanhã pode
acontecer tudo
Inclusive nada
Se avexe não
A lagarta rasteja até o dia
Em que cria asas
Se avexe não
Que a burrinha da felicidade
Nunca se atrasa
Se avexe não
Amanhã ela pára na porta
Da sua casa
Inclusive nada
Se avexe não
A lagarta rasteja até o dia
Em que cria asas
Se avexe não
Que a burrinha da felicidade
Nunca se atrasa
Se avexe não
Amanhã ela pára na porta
Da sua casa
Se avexe não
Toda caminhada começa
No primeiro passo
A natureza não tem pressa
Segue seu compasso
Inexoravelmente chega lá
Se avexe não
Observe quem vai subindo a ladeira
Seja princesa ou seja lavadeira
Pra ir mais alto vai ter que suar.
Composição: Accioly Neto
Toda caminhada começa
No primeiro passo
A natureza não tem pressa
Segue seu compasso
Inexoravelmente chega lá
Se avexe não
Observe quem vai subindo a ladeira
Seja princesa ou seja lavadeira
Pra ir mais alto vai ter que suar.
Composição: Accioly Neto
Ambição
"A ambição do homem é tão grande
que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum
tempo pode resultar dela."
Nicolau
Maquiavel
Um disco fundamental da MPB: Catullo, o poeta do sertão
Catullo, o poeta do sertão
Paulo Tapajós (1957)
A imagem do Nordeste brasileiro esteve durante
muito tempo estereotipada no Sul do país: para os de baixo, o povo do norte,
como eles também chamavam, era uma gente profundamente religiosa, mística,
ainda o é, mas também exótica em seus costumes, fazia parte de um Brasil
impenetrável e desconhecido, principalmente no final do século XIX e início do
século XX. As atenções para seus graves problemas sociais vieram à tona de
certa maneira com a publicação do livro Os
sertões, de Euclides da Cunha que retrata com fidelidade o embate de
Canudos e faz uma interpretação sobre o ser sertanejo.
Fora algumas poucas intervenções governamentais,
seja no Império ou no nascedouro republicano, o Nordeste era uma terra de
ninguém, pois o país vivia e respirava os ares da “cidade luz tropical”, o Rio
de Janeiro, e a cultura pátria era medida pelo que nela se realizava, claro,
que outros estados como por exemplo, São Paulo, tinham uma certa influência
cultural “civilizatória', mas indiscutivelmente era a então capital do país que
puxava o samba enredo da recém criada Escola de Samba Unidos da República
Federativa do Brasil.
Mas se o sertanejo nordestino sempre foi um forte
em sua luta pela sobrevivência, foi também um obstinado divulgador de sua
própria cultura, não deixando ainda que a região figurasse apenas como um
apêndice na geografia política do país e sim elemento integrador de uma nação
plena de brasilidade, com suas características regionais próprias, mas
sobretudo definindo a noção de nossa pluralidade cultural e reafirmando o
conceito pleno de nação em sua totalidade. Assim a contribuição do Nordeste
iria se somar a de outras regiões e o Brasil poderia descobrir-se sem discussão
de mérito, pois a disputa em questão passaria ao largo de preconceitos ou
discriminações e serviria como afirmativa de nossa identidade.
Desse modo, a partir do pressuposto da nacionalização
de nossa cultura, os temas nordestinos tomam de assento o Rio de Janeiro
aproveitando-se da sua importância enquanto caixa de ressonância nacional e
passam a ser explorados por artistas e intelectuais vinculados as suas
tradições regionais para divulgar o que poucos conheciam, ou fingiam apenas que
existia.
Entre esses personagens responsáveis por essa
nacionalização/integração nordestina destaca-se Catulo da Paixão Cearense, cuja
referência ao valoroso estado nordestino encontra-se apenas no sobrenome, pois
nasceu na cidade de São Luís do Maranhão, em 31 de janeiro de 1863. Em 1880 foi
residir no Rio de Janeiro com a família. Na capital do império frequentou rodas
de estudantes, foi boêmio, estivador, escriturário, mas sobretudo poeta e
violonista, atividades que o consagrariam como uma das mais importantes figuras
de seu tempo. Acompanhou de perto o crescimento da modinha enquanto gênero de música
urbana largamente executada em serenatas, sendo o seu grande impulsionador nos
finais do século XIX e nas primeiras décadas do seguinte.
Como poeta torna-se uma celebridade e o Nordeste, o
seu chão, a razão maior de sua poética. Seus livros vendiam-se aos milhares e
com eles descortinava um imenso horizonte para uma compreensão maior desse lado
do Brasil. Obras como O marrueiro, Sertão
em flor, Alma do sertão, Um caboclo brasileiro, Mata iluminada, O milagre de
São João, O sol e a lua e muitas outras revelaram liricamente um Brasil que
os brasileiros precisavam conhecer. Mas se seus versos eram largamente
recitados e conhecidos por todos, suas modinhas, ou as letras que fez para
canções alheias, tinham o mesmo sentimento lírico das noites enluaradas
inebriadas pelo mágico encantamento das serenatas noturnas da cidade que o
abraçou, numa perfeita comunhão entre o sertanejo puro e o urbano boêmio e
sentimental. Dois personagens num só, a união perfeita de um Brasil que se
mostra por inteiro, sem divisionismos e onde a predominância de uma
identificação matriz se une a uma cultura urbana e é essa mistura na medida
certa que da o caráter definidor de nosso caráter.
Como modinheiro, Catulo produziu uma obra
vastíssima e ajudou a fazer mais felizes as noites de luar de nosso país. Parte
dessa sua contribuição à música popular brasileira esta registrada em três LPs
produzidos pela gravadora Sinter entre os anos de 1955 e 1959 com
interpretações do radialista, cantor e compositor Paulo Tapajós. Em 1957 após o
sucesso do primeiro LP em 10 polegadas denominado Luar do sertão, é gravado o disco Catulo, o poeta do sertão, com um
repertório de canções representativas do momento áureo da modinha brasileira.
Dentre elas destacam-se, Vai ó meu
amor ao campo santo e Os olhos
dela, com Irineu de Almeida; Clélia, com
Luiz de Souza; O poeta do sertão; Talento e formosura, com Edmundo Otávio
Ferreira; Rasga o coração e Palma de martírio, com Anacleto de
Medeiros.
Todas essas músicas
foram gravadas em disco nos primeiros anos do século vinte e embalaram os corações
do povo brasileiro. Nelas, o poeta/compositor se deixa entregar por inteiro
traduzindo em versos e melodia um momento mágico de nossa cultura musical.
Luiz Américo Lisboa Junior, in
www.luizamerico.com.br
Obscuridade?!
“Quando se escreve é não somente para ser
compreendido, mas também para não o ser. Um livro não fica diminuído pelo fato
de um indivíduo qualquer o achar obscuro: esta obscuridade entrava talvez nas
intenções do autor, não queria ser compreendido por qualquer bicho careta.
Qualquer espírito um pouco distinto, qualquer gosto um pouco elevado escolhe os
seus auditores; ao escolhê-los fecha a porta aos outros. As regras delicadas de
um estilo nascem todas daí; são feitas para afastar, para manter a distância, para
condenar o “acesso” de uma obra; para impedir alguns de compreender, e para
abrir o ouvido aos outros, os tímpanos que nos são parentes.”
Friedrich
Nietzsche, in A Gaia Ciência
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Campanha Eleitoral, por Maviael Melo
Um senador do estado
passou dessa pra melhor
ou pra outra bem pior
vou relatar o passado
chegando o pobre coitado
na porta do firmamento
São Pedro disse: um momento
tenha calma, cidadão!
faça aqui sua opção
e assine o requerimento.
Pois aqui tem governia
tudo está no seu lugar
e você vai optar
onde quer passar o dia
depois com democracia
me dará sua resposta
fazendo a sua proposta
de ir pra o céu ou pro inferno
viver de túnica, de terno...
do jeito que você gosta!
E então o senador
assinou a papelada
descendo por uma escada
entrou num elevador
e desceu com o assessor
pra o inferno conhecer
para depois escolher
onde queria morar
e qual seria o lugar
que escolheria viver.
e]E no inferno ele viu
o campo todo gramado
verdinho, bem arrumado
como um que tem no Brasil
um homem grande e gentil
disse-lhe: eu sou o cão
muito prazer meu irmão!
aqui você é quem manda
e deu ordens pra que a banda
tocasse outro baião.
Encaminhou a visita
para uma mesa repleta
uma assessoria completa
num alpendre em palafita
uma assistente bonita
cerveja, wisque e salgados.
Dinheiro pros carteados
charutos bons e cubanos
foi relembrando dos anos
e dos acordos fechados.
Encontrou com os amigos
dos tempos áureos de glórias
relembrando as histórias
que já haviam esquecidos
wisques envelhecidos
não paravam de chegar
parecia um marajá
jogando cartas e fumando
mas já estava chegando
a hora dele voltar.
E então no elevador
ele tornou a subir
para então se decidir
e finalmente propor
mas no céu o senador
vê um cenário de paz
com um sereno assaz
anjinhos tocando lira
São Pedro disse confira
escolha e não volte atrás.
Era um silêncio danado
sem wísque e sem cerveja
no máximo uma cereja
e ele já agoniado
disse assim determinado:
já tomei minha decisão
quero ir morar com o cão
pois lá me sinto melhor
não que aqui seja pior
é questão de opinião
São Pedro disse pois bem
pode ir pro elevador
que logo meu assessor
fará o que lhe convém
o senador disse amém
já pensando no sucesso
que seria o seu regresso
para o quinto do inferno
lá também seria eterno
e a tudo teria acesso.
E assim que ele desceu
numa imensa alegria
sentiu logo uma agonia
algo estranho percebeu
atrás desapareceu
a porta do elevador
e o pobre do senador
só via fogo e tortura
deu-lhe logo uma amargura
era um cenário de horror.
Nisso ia passando o cão
deu-lhe uma chibatada
sorrindo em gargalhada
remexendo um caldeirão
e empurrou-lhe um ferrão
deixando a testa ferida
e ele puto da vida
disse: rapaz sou eu,
o senador! Se esqueceu?
Cadê aquela acolhida?
Eu peguei o bonde errado
ou o cabra se atrapalhou
e para cá me mandou
deve ter se enganado
meu lugar é no gramado
jogando golfe e fumando
eu nada estou lhe cobrando
foi você que ofereceu!!!!!
e o wisque? se esqueceu?
eu devo está delirando.
E o diabo a sorrir,
disse-lhe: seja bem vindo
e o que estás me pedindo
eu não vou poder cumprir
quando estivestes aqui
naquela ocasião
não era outra coisa não
também não me leve a mal
foi campanha eleitoral
e eu ganhei a eleição.
passou dessa pra melhor
ou pra outra bem pior
vou relatar o passado
chegando o pobre coitado
na porta do firmamento
São Pedro disse: um momento
tenha calma, cidadão!
faça aqui sua opção
e assine o requerimento.
Pois aqui tem governia
tudo está no seu lugar
e você vai optar
onde quer passar o dia
depois com democracia
me dará sua resposta
fazendo a sua proposta
de ir pra o céu ou pro inferno
viver de túnica, de terno...
do jeito que você gosta!
E então o senador
assinou a papelada
descendo por uma escada
entrou num elevador
e desceu com o assessor
pra o inferno conhecer
para depois escolher
onde queria morar
e qual seria o lugar
que escolheria viver.
e]E no inferno ele viu
o campo todo gramado
verdinho, bem arrumado
como um que tem no Brasil
um homem grande e gentil
disse-lhe: eu sou o cão
muito prazer meu irmão!
aqui você é quem manda
e deu ordens pra que a banda
tocasse outro baião.
Encaminhou a visita
para uma mesa repleta
uma assessoria completa
num alpendre em palafita
uma assistente bonita
cerveja, wisque e salgados.
Dinheiro pros carteados
charutos bons e cubanos
foi relembrando dos anos
e dos acordos fechados.
Encontrou com os amigos
dos tempos áureos de glórias
relembrando as histórias
que já haviam esquecidos
wisques envelhecidos
não paravam de chegar
parecia um marajá
jogando cartas e fumando
mas já estava chegando
a hora dele voltar.
E então no elevador
ele tornou a subir
para então se decidir
e finalmente propor
mas no céu o senador
vê um cenário de paz
com um sereno assaz
anjinhos tocando lira
São Pedro disse confira
escolha e não volte atrás.
Era um silêncio danado
sem wísque e sem cerveja
no máximo uma cereja
e ele já agoniado
disse assim determinado:
já tomei minha decisão
quero ir morar com o cão
pois lá me sinto melhor
não que aqui seja pior
é questão de opinião
São Pedro disse pois bem
pode ir pro elevador
que logo meu assessor
fará o que lhe convém
o senador disse amém
já pensando no sucesso
que seria o seu regresso
para o quinto do inferno
lá também seria eterno
e a tudo teria acesso.
E assim que ele desceu
numa imensa alegria
sentiu logo uma agonia
algo estranho percebeu
atrás desapareceu
a porta do elevador
e o pobre do senador
só via fogo e tortura
deu-lhe logo uma amargura
era um cenário de horror.
Nisso ia passando o cão
deu-lhe uma chibatada
sorrindo em gargalhada
remexendo um caldeirão
e empurrou-lhe um ferrão
deixando a testa ferida
e ele puto da vida
disse: rapaz sou eu,
o senador! Se esqueceu?
Cadê aquela acolhida?
Eu peguei o bonde errado
ou o cabra se atrapalhou
e para cá me mandou
deve ter se enganado
meu lugar é no gramado
jogando golfe e fumando
eu nada estou lhe cobrando
foi você que ofereceu!!!!!
e o wisque? se esqueceu?
eu devo está delirando.
E o diabo a sorrir,
disse-lhe: seja bem vindo
e o que estás me pedindo
eu não vou poder cumprir
quando estivestes aqui
naquela ocasião
não era outra coisa não
também não me leve a mal
foi campanha eleitoral
e eu ganhei a eleição.
Maviael
Melo
Um inseto sentimental
A primeira frase da crônica é quase sempre a mais
difícil, mas quando as palavras aparecem no papel, a mão que segura a caneta
fica mais leve e envereda para um lugar desconhecido...
Mas basta surgir um inseto para mudar toda a
história: o movimento da mão é interrompido pelo intruso, que voa em círculos e
zoa com insistência, uma picada no pescoço ou no braço pode acabar com a
alegria de escrever uma crônica, mesmo sabendo que vou reescrevê-la quatro ou
sete vezes; talvez seja melhor espantá-lo com uma revista, ou esperar que ele
se canse de girar e zumbir como um louco nesse espaço pequeno.
Pode ser uma fêmea, não sei precisar o sexo dos
insetos; não é varejeira, nem abelha ou besouro comum, tem um olhar estranho, e
as asas ambarinas revelam uma delicada trama geométrica, que lembra uma teia de
aranha.
Deixo a caneta na mesa, pego ao acaso uma revista
e tento afugentar o intruso: que ele nos deixe em paz, eu e a ideia da crônica,
a mão direita e as palavras, a razão e a emoção, mas o maldito parece zombar de
tudo isso e descai do teto numa investida ousada que roça minha testa. Agora
está claro que ele quer me perturbar, não há mais silêncio, já me
desconcentrou, apagou a ideia da crônica e me deixou como um idiota, segurando
uma revista de arquitetura com belos projetos em Guarulhos e no Rio, Artigas e
Reidy, os olhinhos cor de ferrugem, patas pretas e um ferrão de fogo, se esse
pequeno monstro me picar, adeus à crônica e à leitura de Gogol.
Apago a lâmpada, talvez ele se acalme na
penumbra, às vezes a claridade é nociva e a opacidade, necessária. Mal consigo
enxergá-lo, é apenas uma serpentina escura dançando no espaço, sigo os
movimentos desse voo bêbado e hostil, tento entender meu inimigo e perdoá-lo,
antes que a revista o golpeie e ele caia no chão, e logo uma pisada sem piedade
e um chute para o pequeno jardim.
Acho que me entendeu, pois voa em silêncio,
afasta-se de mim, procura em vão a luz da lâmpada e depois ronda a porta
estreita, ali perto da romãzeira florida e da liberdade.
O voo lento pode ser uma trégua, e, pensando bem,
o inseto não é tão ameaçador assim; recordo o trançado do desenho das asas,
agora os olhinhos perderam o brilho, o ferrão é invisível na penumbra. De
repente, um voo rápido em espiral, e a três palmos do assoalho ele se equilibra
no ar, helicóptero perfeito, e uns segundos depois navega na horizontal até um
dos cantos do quarto, onde se refugia numa caixa de papelão.
Acendo a lâmpada, me aproximo da caixa e vejo meu
ex-inimigo no centro de uma fotografia antiga. Quieto, ferrão e asas
recolhidos, repousa no rosto de uma mulher ainda jovem, que sorri para a lente
do fotógrafo. Pego com cuidado a foto, saio do quarto e, com um sopro, o inseto
some na tarde morna.
Minha mãe me abraça numa manhã de 1960: nós dois
aninhados no banco da Praça da Matriz, aonde me levara para ver o aviário e
conversar com os pássaros. Lembro-me de que ela morreu há quatro anos, e devo
essa lembrança ao inseto estranho e sentimental, que me roubou a ideia de uma
crônica, mas me deu outra.
Agora,
quando já escurece, é pegar a caneta e escrever a primeira frase, quase sempre
a mais difícil...
Milton Hatoum, in
www.oestadao.com.br
Escrever
“Eu
escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera
em nada… Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente
está querendo desabrochar de um modo ou de outro, não é?”
Clarice Lispector
Epigrama, de Paladas de Alexandria
Ouro, pai dos
aduladores, filho da aflição e do cuidado,
não te possuir dá medo e possuir-te aflição.
Tradução: José Paulo Paesnão te possuir dá medo e possuir-te aflição.
domingo, 28 de julho de 2013
Trabalho intelectual
“A
pressa, o nervosismo, a instabilidade, observados desde o surgimento das grandes
cidades, alastram-se nos dias de hoje de uma forma tão epidêmica quanto outrora
a peste e a cólera. Nesse processo manifestam-se forças das quais os passantes
apressados do século XIX não eram capazes de fazer a menor ideia. Todas as
pessoas têm necessariamente algum projeto. O tempo de lazer exige que se o
esgote. Ele é planeado, utilizado para que se empreenda alguma coisa,
preenchido com vistas a toda espécie de espetáculo, ou ainda apenas com
locomoções tão rápidas quanto possível. A sombra de tudo isso cai sobre o
trabalho intelectual. Este é realizado com má consciência, como se tivesse sido
roubado a alguma ocupação urgente, ainda que meramente imaginária. A fim de se
justificar perante si mesmo, ele dá-se ares de uma agitação febril, de um
grande afã, de uma empresa que opera a todo vapor devido à urgência do tempo e
para a qual toda a reflexão — isto é, ele mesmo — é um estorvo. Com frequência
tudo se passa como se os intelectuais reservassem para a sua própria produção
precisamente apenas aquelas horas que sobram das suas obrigações, saídas,
compromissos, e divertimentos inevitáveis.”
Theodore Adorno, in Minima
Moralia
Heróis e História
Fonte das imagens: Google
Velha
questão: são os homens providenciais que fazem a História ou é a História que
os providencia? Estou pensando no Mandela. Ele sem dúvida fez história, mas o
apartheid teria se mantido mesmo sem a resistência dramatizada na sua prisão e
no seu sacrifício? Provavelmente não. Martin Luther King simbolizou a luta
pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, empolgou e inspirou muita gente,
mas a injustiça flagrante da segregação racial estaria condenada mesmo sem seus
discursos e seu exemplo. Frequentei uma "high school" americana
durante três anos e todos os dias, antes de começarem as aulas, botava a mão
sobre o coração e prometia lealdade à bandeira aos Estados Unidos da America a
à republica que ela representava, com liberdade e justiça para todos, e certamente
não era só eu que completava, em silêncio, o juramento: "...exceto para os
negros". Durante anos a democracia americana conviveu com imagens de
discriminação racista, linchamentos e outra violência contra negros no sul do
país. Variava apenas o grau de consciência em cada um da hipocrisia desta
convivência cega. O que Martin Luther King fez foi tornar a consciência
universal e a hipocrisia visível, e insuportável. Mas a justiça para todos
viria - ou virá, ou tomara que venha, numa América ainda dividida pela questão
racial, como mostra a revolta pela absolvição recente do assassino daquele
garoto negro na Flórida - mesmo sem a sua retórica.
Gandhi
liderou o movimento de resistência pacifica que ajudou a liberar a Índia do
domínio inglês. Há figuras como Gandhi - mais ou menos pacíficas - em quase
todas as histórias de liberação do jugo colonialista. Mas por mais atraente que
seja a ideia de heróis emancipadores derrotando impérios, a verdade é que eles
serviram uma inevitabilidade histórica, independente da sua bravura, do seu
discurso ou, como Gandhi, do seu apelo espiritual. O poder da História de fazer
acontecer o necessário, à revelia da iniciativa humana, soa como ortodoxia
marxista, eu sei, mas consolemo-nos com a ideia de que a História pode nos
ignorar, mas está do nosso lado.
E dito tudo isto é preciso dizer que
poucas coisas na vida me emocionaram tanto quanto a aparição do Mandela antes
do jogo final da Copa do Mundo na África do Sul, ovacionado pela multidão.
Consequente ou não, ali estava um herói.
Luís
Fernando Veríssimo, in
www.oestadao.com.br, de 25/07/2013
Amor violeta
O amor me fere é debaixo do braço,
de um vão entre as costelas.
Atinge meu coração é por esta via inclinada.
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele,
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida.
de um vão entre as costelas.
Atinge meu coração é por esta via inclinada.
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele,
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida.
Adélia Prado
Começar de novo
"A vitalidade não se revela apenas
na capacidade de persistir, mas também na de começar tudo de novo."
Francis Scott
Fitzgerald
sábado, 27 de julho de 2013
O Espelho, de Machado de Assis
Quatro
ou cinco cavalheiros debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência,
sem que a disparidade dos votos trouxesse a menor alteração aos espíritos. A
casa ficava no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas,
cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a
cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas
pestanejavam, através de uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos
quatro ou cinco investigadores de coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente
os mais árduos problemas do universo.
Por
que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles,
havia na sala um quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja
espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse
homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinquenta anos,
era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece,
astuto e cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um
paradoxo, dizendo que a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que
jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os
querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna.
Como desse esta mesma resposta naquela noite, contestou-lha um dos presentes, e
desafiou-o a demonstrar o que dizia, se era capaz. Jacobina (assim se chamava
ele) refletiu um instante, e respondeu:
-
Pensando bem, talvez o senhor tenha razão.
Vai
senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e
não dois ou três minutos, mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros,
veio a cair na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro
amigos. Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão
tornou-se difícil, senão impossível, pela multiplicidade das questões que se
deduziram do tronco principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos
pareceres. Um dos argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, - uma
conjetura, ao menos.
-
Nem conjetura, nem opinião, redarguiu ele; uma ou outra pode dar lugar a
dissentimento, e, como sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso
contar-lhes um caso de minha vida, em que ressalta a mais clara demonstração
acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há
duas...
-
Duas?
-
Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que
olha de dentro para fora, outra que olha de fora para entro... Espantem-se à
vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica.
Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um
espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há
casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma
pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de
botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma
é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente
falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da
existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da
existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior aquele judeu eram os
seus ducados; perdê-los equivalia a morrer. "Nunca mais verei o meu ouro,
diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Vejam bem esta
frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é
preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...
-
Não?
-
Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas
absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder,
que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São almas enérgicas e
exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há
cavalheiros, por exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um
chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde uma provedoria de irmandade, suponhamos.
Pela minha parte, conheço uma senhora, - na verdade, gentilíssima, - que muda
de alma exterior cinco, seis vezes por ano. Durante a estação lírica é a ópera;
cessando a estação, a alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um
baile do Cassino, a rua do Ouvidor, Petrópolis...
-
Perdão; essa senhora quem é?
-
Essa senhora é parenta do diabo, e tem o mesmo nome; chama-se Legião... E assim
outros mais casos. Eu mesmo tenho experimentado dessas trocas. Não as relato,
porque iria longe; restrinjo-me ao episódio de que lhes falei. Um episódio dos
meus vinte e cinco anos...
Os quatro companheiros, ansiosos de ouvir
o caso prometido, esqueceram a controvérsia. Santa curiosidade! tu não és só a
alma da civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de outro
sabor que não aquele pomo da mitologia. A sala, até há pouco ruidosa de física
e metafísica, é agora um mar morto; todos os olhos estão no Jacobina, que conserta
a ponta do charuto, recolhendo as memórias. Eis aqui como ele começou a narração:
Conto completo aqui.
Palavras poucas
"Não é bem assim. Houve um tempo em
que as palavras eram tão poucas que nem sequer as tínhamos para expressar algo tão
simples como Esta boca é minha, ou Essa boca é tua, e muito menos para
perguntar Por que é que temos as bocas juntas."
José
Saramago, in O homem duplicado
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Bruna Caram - Quem sabe isso quer dizer amor
Cheguei a tempo de te ver acordar
Eu vim correndo à frente do sol
Abri a porta e antes de entrar
Revi a vida inteira
Pensei em tudo que é possível falar
Que sirva apenas para nós dois
Sinais de bem, desejos vitais
Pequenos fragmentos de luz
Falar da cor dos temporais
Do céu azul, das flores de abril
Pensar além do bem e do mal
Lembrar de coisas que ninguém viu
O mundo lá sempre a rodar
E em cima dele tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor,
Estrada de fazer o sonho acontecer
Pensei no tempo e era tempo demais
Você olhou sorrindo pra mim
Me acenou um beijo de paz
Virou minha cabeça
Eu simplesmente não consigo parar
Lá fora o dia já clareou
Mas se você quiser transformar
O ribeirão em braço de mar
Você vai ter que encontrar
Aonde nasce a fonte do ser
E perceber meu coração
Bater mais forte só por você
O mundo lá sempre a rodar,
E em cima dele tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor,
Estrada
de fazer o sonho acontecer.Eu vim correndo à frente do sol
Abri a porta e antes de entrar
Revi a vida inteira
Pensei em tudo que é possível falar
Que sirva apenas para nós dois
Sinais de bem, desejos vitais
Pequenos fragmentos de luz
Falar da cor dos temporais
Do céu azul, das flores de abril
Pensar além do bem e do mal
Lembrar de coisas que ninguém viu
O mundo lá sempre a rodar
E em cima dele tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor,
Estrada de fazer o sonho acontecer
Pensei no tempo e era tempo demais
Você olhou sorrindo pra mim
Me acenou um beijo de paz
Virou minha cabeça
Eu simplesmente não consigo parar
Lá fora o dia já clareou
Mas se você quiser transformar
O ribeirão em braço de mar
Você vai ter que encontrar
Aonde nasce a fonte do ser
E perceber meu coração
Bater mais forte só por você
O mundo lá sempre a rodar,
E em cima dele tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor,
Idas e vindas de São Serapião
O
novo livro de contos do escritor Demétrio Diniz, potiguar de Alexandria, “Idas
e Vindas de São Serapião”, editado pela Bagaço, foi lançado na quarta-feira (24/07),
na Livraria Saraiva, do Midway. O livro tem ilustrações do artista plástico e
poeta Alberto Lacet e orelha do escritor Aldo Lopes de Araújo. É o segundo
livro de contos do autor, que antes se dedicava à poesia (escreveu, entre
outros, Haveres, Passarás e Ferrovia). O primeiro livro de contos foi “Sobre o
Céu de Natal”, bem recebido por leitores e críticos. “Idas e Vindas de São
Serapião” reúne 15 contos.
O Tempo
Fonte da imagem: Google
Os povos primitivos não conheciam a
necessidade de dividir o tempo em filigranas. Para os antigos não existiam
minutos ou segundos. Artistas como Stevenson ou Gauguin fugiram da Europa e
aportaram em ilhas onde não havia relógios. Nem o carteiro nem o telefone
apoquentavam Platão. Virgílio nunca precisou de correr para apanhar um comboio.
Descartes perdeu-se em pensamentos nos canais de Amsterdam. Hoje, porém, os
nossos movimentos são regidos por frações exatas de tempo. Até mesmo a vigésima
parte de um segundo começa a não mais ser irrelevante em certas áreas técnicas.
Paul
Valéry, in A Busca da Inteligência
O conde e o passarinho
Acontece
que o Conde Matarazzo estava passeando pelo parque. O Conde Matarazzo é um
Conde muito velho, que tem muitas fábricas. Tem também muitas honras. Uma delas
consiste em uma preciosa medalhinha de ouro que o Conde exibia à lapela,
amarrada a uma fitinha. Era uma condecoração (sem trocadilho).
Ora,
aconteceu também um passarinho. No parque havia um passarinho. E esses dois
personagens – o Conde e o passarinho – foram os únicos da singular história
narrada pelo Diário de São Paulo.
Devo
confessar preliminarmente que, entre um Conde e um passarinho, prefiro um
passarinho. Torço pelo passarinho. Não é por nada. Nem sei mesmo explicar essa
preferência. Afinal de contas, um passarinho canta e voa. O Conde não sabe
gorjear nem voar. O Conde gorjeia com apitos de usinas, barulheiras enormes, de
fábricas espalhadas pelo Brasil, vozes dos operários, dos teares, das máquinas
de aço e de carne que trabalham para o Conde. O Conde gorjeia com o dinheiro
que entra e sai de seus cofres, o Conde é um industrial, e o Conde é Conde
porque é industrial. O passarinho não é industrial, não é Conde, não tem
fábricas. Tem um ninho, sabe cantar, sabe voar, é apenas um passarinho e isso é
gentil, ser um passarinho.
Eu
quisera ser um passarinho. Não, um passarinho, não. Uma ave maior, mais triste.
Eu quisera ser um urubu.
Entretanto,
eu não quisera ser Conde. A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não
pretender ser Conde. Não amo os Condes. Também não amo os industriais. Que eu
amo? Pierina e pouco mais. Pierina e a vida, duas coisas que se confundem hoje,
e amanhã mais se confundirão na morte.
Entendo
por vida o fato de um homem viver fumando nos três primeiros bancos e falando
ao motorneiro. Ainda ontem ou anteontem assim escrevi. O essencial é falar ao
motorneiro. O povo deve falar ao motorneiro. Se o motorneiro se fizer de surdo,
o povo deve puxar a aba do paletó do motorneiro. Em geral, nessas
circunstâncias, o motorneiro dá um coice. Então o povo deve agarrar o
motorneiro, apoderar-se da manivela, colocar o bonde a nove pontos, cortar o
motorneiro em pedacinhos e comê-lo com farofa.
Quando
eu era calouro de Direito, aconteceu que uma turma de calouros assaltou um
bonde. Foi um assalto imortal. Marcamos no relógio quanto nos deu na cabeça, e
declaramos que a passagem era grátis. O motorneiro e o condutor perderam,
rápida e violentamente, o exercício de suas funções. Perderam também os bonés.
Os bonés eram os símbolos do poder.
Desde
aquele momento perdi o respeito por todos os motorneiros e condutores. Aquilo
foi apenas uma boa molecagem. Paciência. A vida também é uma imensa molecagem.
Molecagem podre. Quando poderás ser um urubu, meu velho Rubem?
Mas
voltemos ao Conde e ao passarinho. Ora, o Conde estava passeando e veio o
passarinho. O Conde desejou ser que nem o seu patrício, o outro Francisco, o
Francisco da Umbria, para conversar com o passarinho. Mas não era aquele, o São
Francisco de Assis, era apenas o Conde Francisco Matarazzo. Porém, ficou
encantado ao reparar que o passarinho voava para ele. O Conde ergueu as mãos,
feito uma criança, feito um santo. Mas não eram mãos de criança nem de santo,
eram mãos de Conde industrial. O passarinho desviou e se dirigiu firme para o
peito do Conde. Ia bicar seu coração? Não, ele não era um bicho grande de bico
forte, não era, por exemplo, um urubu, era apenas um passarinho. Bicou a
fitinha, puxou, saiu voando com a fitinha e com a medalha.
O
Conde ficou muito aborrecido, achou muita graça. Ora essa! Que passarinho mais
esquisito!
Isso foi o que o Diário de São Paulo contou. O passarinho, a esta hora assim,
está voando, com a medalhinha no bico. Em que peito a colocareis, irmão
passarinho? Voai, voai, voai por entre as chaminés do Conde, varando as
fábricas do Conde, sobre as máquinas de carne que trabalham para o Conde, voai,
voai, voai, voai, passarinho, voai.
Rubem
Braga
Van Gogh e o elogio da loucura
Apesar de fazer
parte de uma nova categoria de artista que surgiu no século XIX, o louco
solitário, Van Gogh não foi o único. As mudanças do século XIX resultaram em
uma nova perspectiva do indivíduo em relação à sociedade. Para os artistas os
novos tempos resultaram em percepção desesperadora e vazia da realidade, onde o
que anteriormente era concreto e absoluto desmoronou. Deus morreu, a esperança
no homem esmorece, a razão domina e tudo o que resta, para o indivíduo artista
é o mundo dos sentimentos, o mundo da expressão.
Vincent Van Gogh, "Restaurante De la Sirene
em Asnieres"
“O que sou eu aos
olhos da maioria das pessoas? Uma não entidade, ou um homem excêntrico e
desagradável – alguém que não tem e nunca terá posição na vida, em suma, o
menor dos menores. Muito bem, mesmo que isso fosse verdade, devo querer que o
meu trabalho mostre o que vai no coração de um homem excêntrico e desse
joão-ninguém.” - Carta de Vincent ao irmão Théo (21 de julho de 1882).
Pelo trecho da
carta destinada ao irmão fica claro que Vincent van Gogh se sentia deslocado na
sociedade e tinha necessidade de inserir-se de alguma forma nela.
Vincent Van Gogh, Auto-retrato
Vincent Willem van Gogh, nascido em 1853,
foi mais que um pintor perturbado. Muito se escreveu sobre o artista, foram
feitas análises de sua doença, de suas cartas e obra. Vincent é parte do
imaginário popular do artista moderno que vive, enlouquece, definha e
finalmente morre por sua arte. A ideia do artista excluído da sociedade, que
enxergava além de seu tempo, incompreendido por seus contemporâneos, tem como
reverso o valor de suas obras, vendidas hoje por milhões de dólares, para serem
armazenadas em cofres ou acervos, longe dos olhos do grande público. Justo
Vincent, que ansiava tanto que sua obra fosse vista e compreendida por todos.
Matéria completa aqui.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Auscultar o próprio coração
“Nos nossos contatos quotidianos seguimos
a multidão, deixamo-nos levar por esperanças e temores subalternos, tornamo-nos
vítimas das nossas próprias técnicas e implementos, e desusamos o acesso que
temos ao oráculo divino. É apenas enquanto a alma dorme que nos servimos dos
préstimos de tantas maquinarias e muletas engenhosas. De que servem os
telégrafos? Qual a utilidade dos jornais? O homem sábio não aguarda os correios
nem precisa ler telegramas para descobrir como se sentem os homens no Kansas ou
na Califórnia durante uma crise social. Ele ausculta o seu próprio coração. Se
eles são feitos como ele é, se respiram o mesmo ar e comem o mesmo trigo, se
têm mulheres e filhos, ele sabe que a sua alegria e ressentimento atingem o
mesmo ponto que o seu. A alma íntegra está em perpétua comunicação telegráfica
com a fonte dos acontecimentos, dispõe de informação antecipada, qual despacho
particular, que a exime e alivia do terror que oprime o restante da comunidade.”
Ralph
Waldo Emerson, in Progresso da Cultura
Medo de si próprio
“Acredito que se um homem vivesse a sua
vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expressão a cada pensamento,
realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de
energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e
regressaríamos ao ideal helênico, possivelmente até a algo mais depurado e mais
rico do que o ideal helênico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de
si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que
nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que
tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e
acaba com o pecado, porque a ação é um modo de expurgação. Nada mais permanece
do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de
nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma
adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas
monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes
acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas
neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.”
Oscar
Wilde, in O retrato de Dorian Gray
Mundo pequeno - IV
Caçador, nos barrancos, de rãs
entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. “Sonora voz de uma concha”,
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: “Aromas de tomilhos dementam
cigarras.” Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Língua-pássaro: “Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer”.
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
“Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos.” Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. “Sonora voz de uma concha”,
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: “Aromas de tomilhos dementam
cigarras.” Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Língua-pássaro: “Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer”.
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
“Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos.” Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.
Manoel
de Barros
Compatriotas
“É difícil a gente compreender bem as
criaturas e não creio que possamos conhecer ninguém a fundo, a não ser os
nossos próprios compatriotas. Pois os homens não são somente eles; são também a
região onde nasceram, a fazenda ou o apartamento da cidade onde aprenderam a
andar, os brinquedos que brincaram quando crianças, as lendas que ouviram dos
mais velhos, a comida de que se alimentaram, as escolas que frequentaram, os
esportes em que se exercitaram, os poetas que leram e o Deus em que
acreditaram. Todas essas coisas fizeram deles o que são, e essas coisas ninguém
pode conhecê-las somente por ouvir dizer, e sim se as tiver sentido. Só pode
conhecê-las quem é parte delas.”
W.
Somerset Maugham, in O fio da Navalha
quarta-feira, 24 de julho de 2013
Morreu o genial Dominguinhos
Nascido em 1941, José Domingos de Morais,
o Dominguinhos, veio de uma família humilde de Garanhuns (PE) e herdou os dotes
musicais de seu pai, Chicão, que era sanfoneiro. Com seis anos de idade,
aprendeu a tocar sanfona e ia a feiras livres para arrecadar dinheiro.
Quando
criança, ele formou o trio Os Três Pinguins com seus dois irmãos Moraes
(sanfona) e Valdomiro (malê, uma espécie de zabumba). Aos nove anos, já era
proficiente em sanfonas de 48, 80 e 120 baixos. Logo depois, ele conheceu Luiz
Gonzaga na porta de seu hotel. O músico ficou impressionado e chamou
Dominguinhos para ir ao Rio de Janeiro. Mais tarde, ele fez parte da equipe de
Luiz Gonzaga e foi reconhecido por cantores da Bossa Nova, Gilberto Gil, Maria
Bethânia, Elba Ramalho e Toquinho.
Matéria completa do portal UOL aqui.
A transfiguração pela poesia
Creio
firmemente que o confinamento em si mesmo, imposto a toda uma legião de
criaturas pela guerra, é dinamite se acumulando no subsolo das almas para as
explosões da paz. No seio mesmo da tragédia sinto o fermento da meditação
crescer. Não tenho dúvida de que poderosos artistas surgirão das ruínas ainda
não reconstruídas do mundo para cantar e contar a beleza e reconstruí-lo livre.
Pois na luta onde todos foram soldados - a minoria nos campos de batalha, a
maioria nas solidões do próprio eu, lutando a favor da liberdade e contra ela,
a favor da vida e contra ela - os sobreviventes, de corpo e espírito, e os que
aguardaram em lágrimas a sua chegada imprevisível, hão de se estreitar num
abraço tão apertado que nem a morte os poderá separar. E o pranto que chorarem
juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o
mal-entendido.
Porque
haverá nos olhos, na boca, nas mãos, nos pés de todos uma ânsia tão intensa de
repouso e de poesia, que a paixão os conduzirá para os mesmos caminhos, os
únicos que fazem a vida digna: os da ternura e do despojamento. Tenho que só a
poesia poderá salvar o mundo da paz política que se anuncia - a poesia que é
carne, a carne dos pobres humilhados, das mulheres que sofrem, das crianças com
frio, a carne das auroras e dos poentes sobre o chão ainda aberto em crateras.
Só
a poesia pode salvar o mundo de amanhã. E como que é possível senti-la
fervilhando em larvas numa terra prenhe de cadáveres. Em quantos jovens
corações, neste momento mesmo, já não terá vibrado o pasmo da sua obscura
presença? Em quantos rostos não se terá ela plantado, amarga, incerta esperança
de sobrevivência? Em quantas duras almas já não terá filtrado a sua claridade
indecisa? Que langor, que anseio de voltar, que desejo de fruir, de fecundar,
de pertencer, já não terá ela arrancado de tantos corpos parados no antemomento
do ataque, na hora da derrota, no instante preciso da morte? E a quantos seres
martirizados de espera, de resignação, de revolta já não terão chegado as ondas
do seu misterioso apelo?
Sofre
ainda o mundo de tirania e de opressão, da riqueza de alguns para a miséria de
muitos, da arrogância de certos para a humilhação de quase todos. Sofre o mundo
da transformação dos pés em borracha, das pernas em couro, do corpo em pano e
da cabeça em aço. Sofre o mundo da transformação das mãos em instrumentos de
castigo e em símbolos de força.
Sofre
o mundo da transformação da pá em fuzil, do arado em tanque de guerra, da
imagem do semeador que semeia na do autômato com seu lança-chamas, de cuja
sementeira brotam solidões.
A esse mundo, só a poesia poderá salvar,
e a humildade diante da sua voz. Parece tão vago, tão gratuito, e no entanto eu
o sinto de maneira tão fatal! Não se trata de desencantá-la, porque creio na
sua aparição espontânea, inevitável. Surgirá de vozes jovens fazendo ciranda em
torno de um mundo caduco; de vozes de homens simples, operários, artistas,
lavradores, marítimos, brancos e negros, cantando o seu labor de edificar,
criar, plantar, navegar um novo mundo; de vozes de mães, esposas, amantes e
filhas, procriando, lidando, fazendo amor, drama, perdão. E contra essas vozes
não prevalecerão as vozes ásperas de mando dos senhores nem as vozes soberbas
das elites. Porque a poesia ácida lhes terá corroído as roupas. E o povo então
poderá cantar seus próprios cantos, porque os poetas serão em maior número e a
poesia há de velar.
Primeira crônica de Vinicius de Moraes, publicada em A Manhã, 1946.
Quem me levará sou eu - Dominguinhos
Amigos a gente encontra
O mundo não é só aqui
Repare naquela estrada
Que distância nos levará
As coisas que eu tenho aqui
Na certa terei por lá
Segredos de um caminhão
Fronteiras por desvendar
Não diga que eu me perdi
Não mande me procurar
Cidades que eu nunca vi
São casas de braços a me agasalhar
Passar como passam os dias
Se o calendário acabar
Eu faço contar o tempo outra vez, sim
Tudo outra vez a passar
Não diga que eu fiquei sozinho
Não mande alguém me acompanhar
Repare, a multidão precisa
De alguém mais alto a lhe guiar
Quem me levará sou eu
Quem regressará sou eu
Não diga que eu não levo a guia
O mundo não é só aqui
Repare naquela estrada
Que distância nos levará
As coisas que eu tenho aqui
Na certa terei por lá
Segredos de um caminhão
Fronteiras por desvendar
Não diga que eu me perdi
Não mande me procurar
Cidades que eu nunca vi
São casas de braços a me agasalhar
Passar como passam os dias
Se o calendário acabar
Eu faço contar o tempo outra vez, sim
Tudo outra vez a passar
Não diga que eu fiquei sozinho
Não mande alguém me acompanhar
Repare, a multidão precisa
De alguém mais alto a lhe guiar
Quem me levará sou eu
Quem regressará sou eu
Não diga que eu não levo a guia
De quem souber me amar.
Caráter
"Todo
o homem tem três caráteres: o que ele exibe, o que ele tem e o que pensa que
tem."
Alphonse Karr
Dádiva de uma certeza
"Ninguém presta à sua geração maior
serviço do que aquele que, seja pela sua arte, seja pela sua existência, lhe
proporciona a dádiva de uma certeza."
James Joyce
terça-feira, 23 de julho de 2013
A escrita, a palavra...
La escritura es deseo
La palavra es sangre
Escribir es rasgar
Héctor HernándezLa palavra es sangre
Escribir es rasgar
A vida
O que é que se pode
desejar da vida
a não ser que
seja limpa
e digna
e, a cada minuto,
arrume, desarrume
nosso coração,
os nossos sentimentos?
O que é que se pode
desejar,
senão uma cama, um canto
e a mesa posta de esperanças?
Sonhar sonhos
que a gente alcance.
desejar da vida
a não ser que
seja limpa
e digna
e, a cada minuto,
arrume, desarrume
nosso coração,
os nossos sentimentos?
O que é que se pode
desejar,
senão uma cama, um canto
e a mesa posta de esperanças?
Sonhar sonhos
que a gente alcance.
Roseana
Murray
Sinceridade
"Como também vai sendo costume, foi
muito louvada a minha sinceridade, mas, creio que pela primeira vez, esta
insistência e esta unanimidade fizeram-me pensar se realmente existirá isso a
que damos o nome de sinceridade, se a sinceridade não será apenas a última das
máscaras que usamos, e, justamente por última ser, aquela que afinal mais
esconde."
José Saramago, in Cadernos de Lanzarote
Temo igualmente angústias e delícias
Imagem: Google
“Ando a ver. O caracol sai ao arrebol. A cobra se
concebe curva. O mar barulha de ira e de noite. Temo
igualmente angústias e delícias. Nunca entendi o bocejo e o pôr-do-sol. Por absurdo que pareça, a gente nasce, vive, morre. Tudo se finge, primeiro:
germina autêntico é depois. Um escrito será que basta? Meu duvidar é uma
petição de mais certeza.”
Guimarães Rosa, in Tutaméia
A ocasião
"A ocasião não faz apenas o ladrão,
mas também grandes homens."
Georg
Christoph Lichtenberg
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