Catullo, o poeta do sertão
Paulo Tapajós (1957)
A imagem do Nordeste brasileiro esteve durante
muito tempo estereotipada no Sul do país: para os de baixo, o povo do norte,
como eles também chamavam, era uma gente profundamente religiosa, mística,
ainda o é, mas também exótica em seus costumes, fazia parte de um Brasil
impenetrável e desconhecido, principalmente no final do século XIX e início do
século XX. As atenções para seus graves problemas sociais vieram à tona de
certa maneira com a publicação do livro Os
sertões, de Euclides da Cunha que retrata com fidelidade o embate de
Canudos e faz uma interpretação sobre o ser sertanejo.
Fora algumas poucas intervenções governamentais,
seja no Império ou no nascedouro republicano, o Nordeste era uma terra de
ninguém, pois o país vivia e respirava os ares da “cidade luz tropical”, o Rio
de Janeiro, e a cultura pátria era medida pelo que nela se realizava, claro,
que outros estados como por exemplo, São Paulo, tinham uma certa influência
cultural “civilizatória', mas indiscutivelmente era a então capital do país que
puxava o samba enredo da recém criada Escola de Samba Unidos da República
Federativa do Brasil.
Mas se o sertanejo nordestino sempre foi um forte
em sua luta pela sobrevivência, foi também um obstinado divulgador de sua
própria cultura, não deixando ainda que a região figurasse apenas como um
apêndice na geografia política do país e sim elemento integrador de uma nação
plena de brasilidade, com suas características regionais próprias, mas
sobretudo definindo a noção de nossa pluralidade cultural e reafirmando o
conceito pleno de nação em sua totalidade. Assim a contribuição do Nordeste
iria se somar a de outras regiões e o Brasil poderia descobrir-se sem discussão
de mérito, pois a disputa em questão passaria ao largo de preconceitos ou
discriminações e serviria como afirmativa de nossa identidade.
Desse modo, a partir do pressuposto da nacionalização
de nossa cultura, os temas nordestinos tomam de assento o Rio de Janeiro
aproveitando-se da sua importância enquanto caixa de ressonância nacional e
passam a ser explorados por artistas e intelectuais vinculados as suas
tradições regionais para divulgar o que poucos conheciam, ou fingiam apenas que
existia.
Entre esses personagens responsáveis por essa
nacionalização/integração nordestina destaca-se Catulo da Paixão Cearense, cuja
referência ao valoroso estado nordestino encontra-se apenas no sobrenome, pois
nasceu na cidade de São Luís do Maranhão, em 31 de janeiro de 1863. Em 1880 foi
residir no Rio de Janeiro com a família. Na capital do império frequentou rodas
de estudantes, foi boêmio, estivador, escriturário, mas sobretudo poeta e
violonista, atividades que o consagrariam como uma das mais importantes figuras
de seu tempo. Acompanhou de perto o crescimento da modinha enquanto gênero de música
urbana largamente executada em serenatas, sendo o seu grande impulsionador nos
finais do século XIX e nas primeiras décadas do seguinte.
Como poeta torna-se uma celebridade e o Nordeste, o
seu chão, a razão maior de sua poética. Seus livros vendiam-se aos milhares e
com eles descortinava um imenso horizonte para uma compreensão maior desse lado
do Brasil. Obras como O marrueiro, Sertão
em flor, Alma do sertão, Um caboclo brasileiro, Mata iluminada, O milagre de
São João, O sol e a lua e muitas outras revelaram liricamente um Brasil que
os brasileiros precisavam conhecer. Mas se seus versos eram largamente
recitados e conhecidos por todos, suas modinhas, ou as letras que fez para
canções alheias, tinham o mesmo sentimento lírico das noites enluaradas
inebriadas pelo mágico encantamento das serenatas noturnas da cidade que o
abraçou, numa perfeita comunhão entre o sertanejo puro e o urbano boêmio e
sentimental. Dois personagens num só, a união perfeita de um Brasil que se
mostra por inteiro, sem divisionismos e onde a predominância de uma
identificação matriz se une a uma cultura urbana e é essa mistura na medida
certa que da o caráter definidor de nosso caráter.
Como modinheiro, Catulo produziu uma obra
vastíssima e ajudou a fazer mais felizes as noites de luar de nosso país. Parte
dessa sua contribuição à música popular brasileira esta registrada em três LPs
produzidos pela gravadora Sinter entre os anos de 1955 e 1959 com
interpretações do radialista, cantor e compositor Paulo Tapajós. Em 1957 após o
sucesso do primeiro LP em 10 polegadas denominado Luar do sertão, é gravado o disco Catulo, o poeta do sertão, com um
repertório de canções representativas do momento áureo da modinha brasileira.
Dentre elas destacam-se, Vai ó meu
amor ao campo santo e Os olhos
dela, com Irineu de Almeida; Clélia, com
Luiz de Souza; O poeta do sertão; Talento e formosura, com Edmundo Otávio
Ferreira; Rasga o coração e Palma de martírio, com Anacleto de
Medeiros.
Todas essas músicas
foram gravadas em disco nos primeiros anos do século vinte e embalaram os corações
do povo brasileiro. Nelas, o poeta/compositor se deixa entregar por inteiro
traduzindo em versos e melodia um momento mágico de nossa cultura musical.
Luiz Américo Lisboa Junior, in
www.luizamerico.com.br
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