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Velha
questão: são os homens providenciais que fazem a História ou é a História que
os providencia? Estou pensando no Mandela. Ele sem dúvida fez história, mas o
apartheid teria se mantido mesmo sem a resistência dramatizada na sua prisão e
no seu sacrifício? Provavelmente não. Martin Luther King simbolizou a luta
pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, empolgou e inspirou muita gente,
mas a injustiça flagrante da segregação racial estaria condenada mesmo sem seus
discursos e seu exemplo. Frequentei uma "high school" americana
durante três anos e todos os dias, antes de começarem as aulas, botava a mão
sobre o coração e prometia lealdade à bandeira aos Estados Unidos da America a
à republica que ela representava, com liberdade e justiça para todos, e certamente
não era só eu que completava, em silêncio, o juramento: "...exceto para os
negros". Durante anos a democracia americana conviveu com imagens de
discriminação racista, linchamentos e outra violência contra negros no sul do
país. Variava apenas o grau de consciência em cada um da hipocrisia desta
convivência cega. O que Martin Luther King fez foi tornar a consciência
universal e a hipocrisia visível, e insuportável. Mas a justiça para todos
viria - ou virá, ou tomara que venha, numa América ainda dividida pela questão
racial, como mostra a revolta pela absolvição recente do assassino daquele
garoto negro na Flórida - mesmo sem a sua retórica.
Gandhi
liderou o movimento de resistência pacifica que ajudou a liberar a Índia do
domínio inglês. Há figuras como Gandhi - mais ou menos pacíficas - em quase
todas as histórias de liberação do jugo colonialista. Mas por mais atraente que
seja a ideia de heróis emancipadores derrotando impérios, a verdade é que eles
serviram uma inevitabilidade histórica, independente da sua bravura, do seu
discurso ou, como Gandhi, do seu apelo espiritual. O poder da História de fazer
acontecer o necessário, à revelia da iniciativa humana, soa como ortodoxia
marxista, eu sei, mas consolemo-nos com a ideia de que a História pode nos
ignorar, mas está do nosso lado.
E dito tudo isto é preciso dizer que
poucas coisas na vida me emocionaram tanto quanto a aparição do Mandela antes
do jogo final da Copa do Mundo na África do Sul, ovacionado pela multidão.
Consequente ou não, ali estava um herói.
Luís
Fernando Veríssimo, in
www.oestadao.com.br, de 25/07/2013
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