Um detalhe chama
a atenção no primeiro prontuário médico escrito sobre Arthur Bispo do Rosário.
Descrito como "calmo, de olhar vivo", com "ares de
importância" e "fisionomia alegre", o paciente também podia
associar "ideias com extravagância".
Não parece o
diagnóstico de um louco, mas esse documento atestou loucura suficiente para que
o artista sergipano, que morreu aos 80, em 1989, ficasse internado primeiro no
hospício da Praia Vermelha e mais tarde na Colônia Juliano Moreira, no Rio.
Entre outros
fatos, "Arte
Além da Loucura" dá detalhes sobre o surto que levou Bispo
do Rosário a ser trancafiado num hospício e sobre sua vida antes, como lutador
de boxe e oficial da Marinha.
São dados que
dissolvem uma série de mitos, em um momento de redescoberta da obra de Bispo do
Rosário, exaltado como figura central da última Bienal de São Paulo e ocupando
agora uma sala na Bienal de Veneza, com seus mantos e estandartes.
"Ele não
vivia em estado permanente de delírio, sabia das coisas", diz Morais, em
entrevista à Folha. "Essa ideia meio romântica da loucura não existe. Ele
sabia o que estava fazendo o tempo todo e se tornou uma figura poderosa dentro
do hospital. Há uma ordem interna muito forte no trabalho dele."
Mesmo que não
falasse sobre o passado, detalhes de sua vida estão documentados nos
estandartes que bordou: da infância numa fazenda de cacau na Bahia à ida ao Rio
como marinheiro, passando por sua carreira de pugilista.
São avalanches de
nomes escritos em ordem alfabética, os mais importantes bordados do lado de
dentro de seu "Manto da Apresentação". Além do nome do pai, Bispo
lembrou ali alguns adversários que enfrentou no ringue.
LOBO DO MAR
Não eram
histórias inventadas. Jornais da época narravam de forma assídua os embates do
lutador que nunca foi nocauteado e ficou conhecido como "lobo do
mar", ou "marujo de bronze", dotado de "dureza
granítica".
Em 1929,
reportagem do "A Manhã" descreveu sua primeira luta profissional como
"encarniçada", afirmando que ela "arrancou aplausos pela
violência dos lutadores".
Mas depois que um
bonde esmagou um osso de seu pé, Bispo deixou o ringue e foi trabalhar como
empregado doméstico na casa da família Leone, uma das mais ricas e poderosas do
Rio na época.
Humberto Leone,
um dos herdeiros do clã, conta que Bispo era vaidoso e se vestia "com
luxo", usava gravatas de seda e perfume francês.
Isso até o Natal
de 1938, quando teve os três sonhos que o levaram a se apresentar num mosteiro
como um enviado divino, que veio à Terra numa esteira de nuvens para impedir
que o "espírito malíssimo" aqui chegasse.
Naquele primeiro prontuário, estão
descritas suas alucinações, entre elas o sonho de uma "chuva de
estrelas", que "explodiam fazendo barulhos incríveis", como se
imaginasse o próprio destino de brilhar noutro ringue.
Fonte: www1.folha.uol.com.br/ilustrada
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