Nos
meus anos de professor na Unicamp, conheci uma professora de quem me
tornei um grande amigo: Vilma Clóris de Carvalho. Sua especialidade
e prazer era a neuroanatomia. E até frequentei um dos seus cursos
como aluno igual aos outros, pra valer. O que eu mais admirava na
Vilma é uma virtude que está ficando cada vez mais rara: ela era
apaixonada por ensinar. Gostava dos seus alunos. Digo que a paixão
por ensinar está ficando cada vez mais rara porque, nos relatórios
de avaliação que os professores têm de preencher para os órgãos
oficiais de controle burocrático, as atividades de ensino nem mesmo
são mencionadas. O que vale são as pesquisas publicadas em revistas
internacionais. Os professores, assim, deixam de ser professores.
Transformam-se em pesquisadores. Os alunos não importam. Na
realidade, atrapalham... Eu, pessoalmente, acho que ensinar é muito
mais importante que pesquisar. Porque é no ensino que se aprende a
pensar. E é da capacidade de pensar que surgem os pesquisadores. Se
a pesquisa é um fruto, o ensino são as sementes que foram
plantadas. Sem sementes não há árvores, sem árvores não há
frutos. Pois a Vilma vivia para plantar, vivia a ensinar a pensar.
Era uma verdadeira educadora. Uma das práticas mais comoventes de
suas atividades como professora de anatomia era a “Missa do
Cadáver”. Lidando com peças anatômicas diariamente, o aluno pode
se tornar insensível e embrutecido, esquecido de que aquelas peças
um dia foram um corpo que sonhou, sofreu, amou – alguém como nós.
A “Missa do Cadáver” era para que os alunos se lembrassem das
pessoas... Lembro-me de que, numa das missas, sobre a mesa
eucarística, dentro de um recipiente de vidro, havia um coração
vermelho. Houve tempo em que aquele coração batia... O caráter da
Vilma marcou os seus alunos. Aposentou-se. Mudou-se para Recife.
Escreveu um lindo livro em que aparecem combinadas as suas memórias
de vida – fascinantes! – e o seu trabalho como professora e
pesquisadora: Vivendo sem calendário.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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