Passados
uns quinze dias da reunião de chá no pavilhão do Templo Engakuji,
a filha da Sra. Ota foi visitar Kikuji em casa.
Mandou
que a fizessem passar para a sala e, tentando calmar as batidas de
seu coração, ele próprio foi abrir o armário de gêneros e pôs
alguns frios no prato. Viera sozinha ou sua mãe a aguardava na
porta, não se atrevendo a entrar? Kikuji não conseguia adivinhar.
Quando
veio enfim para a sala, a moça se ergueu da cadeira para a
reverência. Ele notou o lábio inferior um pouco saliente de sua
boca fechada, enquanto ela baixava a cabeça.
— Perdoe-me
por tê-la feito esperar — disse. E passou por trás dela para ir
abrir a porta envidraçada que dava para o jardim. As peônias
brancas, no vaso, exalavam um perfume delicado. A jovem avançou os
ombros redondos, pendendo ligeiramente para a frente quando ele se
acercou.
— Permite?...
— e Kikuji sentou numa cadeira sem esperar.
Uma
sensação de serenidade inexplicavelmente o invadiu, ao ver quanto
ela se parecia com a mãe.
— Tomei
a liberdade de vir à sua casa sem prevenir — começou ela de olhos
baixos.
— É
um grande prazer, não se preocupe. Teve dificuldade em achar o
caminho?
— Não.
Kikuji
de repente lembrou que ela costumava vir até a porta, acompanhando
seu pai nos bombardeios, como lhe contara a Sra. Ota no jardim do
Templo Engakuji.
Quase
lhe diz, mas se retém no último instante. E a observa à vontade,
pois ela continua com os olhos baixos.
Sente-se
submergir de novo por uma onda morna, lembrando a doçura da Sra.
Ota. Não pode se negar a pensar ainda uma vez no total e raro
abandono do seu abraço. Abandona-se também, profundamente
retranquilizado e quase esquecendo de se manter na defensiva ante a
filha. Sua prudente reserva tinha desaparecido, embora não tivesse
ainda podido ver o olhar da moça e mergulhar o seu nos olhos
obstinadamente descidos.
— Tomei
a liberdade de vir...
Fez
uma pausa, levantou a cabeça e o fitou no rosto.
— Tomei
a liberdade... Trata-se de minha mãe: queria lhe pedir um favor.
Kikuji
prendeu o fôlego.
— Desejaria
que a perdoasse.
— Perdoasse?
O que está dizendo?
Mas
ao exprimir o seu assombro, compreendera na hora que a mãe contara
tudo.
— Se
há alguém que deve pedir perdão, sou eu — declarou.
— E
eu ficaria contente que lhe perdoasse também tudo o que sucedeu com
seu pai — prosseguiu ela.
— Mas
também aí o perdão devia ser dado antes a meu pai. Minha mãe já
deixou este mundo, sabe... Ninguém mais poderia ter agora seja o que
for a perdoar à senhora sua mãe.
— Seu
pai morreu tão cedo! Sempre me pergunto se não foi por causa das
preocupações que minha mãe lhe causou. E também sua mãe, com
maior razão. É o que eu já disse à minha mãe!
— Você
tem escrúpulos exagerados e é injusta em relação a ela.
— Ah,
por que não morreu ela primeiro, antes de seus pais!
A
moça estava à beira de desmaiar, tanto o penoso diálogo lhe feria
o pudor.
Compreendendo
que não falava, em suma, senão das relações dela com a mãe,
Kikuji se deu conta de como a coisa devia feri-la e ultrajar seus
sentimentos, humilhando-a a fundo.
— Por
favor, perdoe minha mãe! — repetiu, parecendo, para dizê-lo,
apelar às últimas forças.
— Não
é um perdão, mas a homenagem do meu reconhecimento e profundo
respeito o que devo à sua mãe — precisou Kikuji com firmeza.
— Ela
é que é a culpada, com todas as suas fraquezas. E eu queria que não
se importasse mais com ela de forma alguma. Suplico-lhe, deixe de se
ocupar de minha mãe!
Falou
rápido, com uma voz entrecortada e trêmula. Kikuji entendia agora o
que desejava dizer pedindo aquele perdão: deixe minha mãe em paz,
não volte a vê-la, era o que ela queria significar.
— Não
procure nem mesmo lhe telefonar mais — acrescentou.
A
despeito do rubor flamejante que lhe invadira a face, ela ergueu a
cabeça como para desafiar o próprio arisco pudor e olhou direto nos
olhos de Kikuji. Mas seus grandes olhos estavam úmidos de lágrimas
e seu olhar, sem o mínimo traço de animosidade, tinha qualquer
coisa de suplicante, algo de um apelo desesperado.
— Entendo
— disse ele enfim. — Peço desculpas.
— Eu
suplico. E me atrevo a contar com você... Essas últimas palavras
enrubesceram ainda mais a infeliz jovem, e Kikuji viu-se esbrasear
até sua nuca longa e branca. Seria para acentuar a beleza do seu
longo pescoço delicado que usava aquele pequeno broche branco na
gola do casaco?
— Minha
mãe concordou, pelo telefone, com o encontro que você marcou —
pôs-se a explicar um pouco menos crispada. — Fazia absoluta
questão de ir e fui eu que a impedi. Me agarrei nela com toda a
força quando quis sair. Foi por isso que esperou em vão.
Kikuji
tinha, com efeito, chamado a Sra. Ota pelo telefone três dias depois
do primeiro encontro. O tom dela não deixava qualquer dúvida sobre
sua alegria, mas afinal não veio ao café onde a esperava. E desde
aquela conversa pelo telefone, nada mais soubera a seu respeito.
— Depois
tive muita pena dela, mas, no momento, julguei-a tão odiosa que me
opus tenazmente, fora de mim ao ponto de não saber mais onde estava!
“Fumiko
— me disse ela, — telefona tu mesma e diz a ele que não irei.
Peço-te, telefona!” Fui ao aparelho, mas fiquei com o fone na mão,
incapaz de falar. Com o rosto banhado de lágrimas, minha mãe não
tirava os olhos do aparelho: era você que ela via, Sr. Mitani, não
o telefone. É assim, minha mãe.
Ficaram
um longo momento sem dizer nada. Por fim, Kikuji rompeu o comprido
silêncio:
— Após
a sessão de chá — perguntou, — por que foi na frente quando sua
mãe ficava a me esperar?
— Porque
queria que você soubesse como ela é, na realidade, um pouco má.
— Má,
ela? De fato, é demasiado boa!
A
moça desceu os olhos e Kikuji observou de novo o seu rosto: o nariz
miúdo e de forma tão perfeita, a boca com o lábio inferior um nada
proeminente. A doçura desses traços lhe lembrava os da mãe.
— Desde
há muito sabia que a senhora sua mãe tinha uma filha — retomou
Kikuji. — Não raro almejei falar de meu pai com ela.
Ela
inclinou a cabeça em sinal de aquiescência.
— Foi
uma ideia que eu também tive.
Se
não tivesse ocorrido nada entre a mãe dela e eu, pensou Kikuji,
agora eu poderia lhe falar livremente de meu pai. Mas, pensando —
era tão estranho assim? —, foi justamente graças ao que lhe
ocorrera com a Sra. Ota, que pudera de todo o coração lhe perdoar a
ligação com o pai e compreender tão bem a alma dos dois. As coisas
são complexas.
Kikuji
fazia em silêncio essas reflexões quando a moça, decerto julgando
que prolongara indevidamente a visita, ergueu-se com precipitação.
Ele saiu com ela para acompanhá-la.
— Espero
que possamos falar um dia juntos de meu pai — disse Kikuji. — E
também que me fale de sua mãe. É uma pessoa tão digna de
admiração!
Sem
dúvida era bastante egoísta o que dizia, mas representava
exatamente o que pensava.
— Sim... Mas você não vai se casar logo?
— Eu?
— Você.
Soube por minha mãe. Com a Srta. Yukiko Inamura.
— Absolutamente.
Não há nada a esse respeito. A rua descia em declive logo após a
porta do
jardim,
fazendo a meia altura uma curva de onde, a gente se virando, não via
mais que a parte de cima das árvores do jardim de Kikuji. Andando,
ele divisava em mente a moça do sembazuru, que a visitante há
pouco lhe lembrara. Ao chegarem na curva, ela se deteve e se
despediu.
Kikuji
tornou a subir em direção à casa, enquanto ela se afastava,
descendo sempre.