quinta-feira, 27 de abril de 2023

Capítulo 60 | O Abraço

Cuidei que o pobre-diabo estivesse doido, e ia afastar-me, quando ele me pegou no pulso, e olhou alguns instantes para o brilhante que eu trazia no dedo. Senti-lhe na mão uns estremeções de cobiça, uns pruridos de posse.
Magnífico! disse ele.
Depois começou a andar à roda de mim e a examinar-me muito.
O senhor trata-se, disse ele. Joias, roupa fina, elegante e... Compare esses sapatos aos meus; que diferença! Pudera não! Digo-lhe que se trata. E moças? Como vão elas? Está casado?
Não.
Nem eu.
Moro na rua...
Não quero saber onde mora, atalhou Quincas Borba. Se alguma vez nos virmos, dê-me outra nota de cinco mil-réis; mas permita-me que não a vá buscar à sua casa. E uma espécie de orgulho... Agora, adeus; vejo que está impaciente.
Adeus!
E obrigado. Deixa-me agradecer-lhe de mais perto?
E dizendo isto abraçou-me com tal ímpeto que eu não pude evitá-lo. Separamo-nos finalmente, eu a passo largo, com a camisa amarrotada do abraço, enfadado e triste. Já não dominava em mim a parte simpática da sensação, mas a outra.
Quisera ver-lhe a miséria digna. Contudo, não pude deixar de comparar outra vez o homem de agora com o de outrora, entristecer-me e encarar o abismo que separa as esperanças de um tempo da realidade de outro tempo...
Ora adeus! Vamos jantar, disse comigo.
Meto a mão no colete e não acho o relógio. Ultima desilusão! o Borba furtara-mo no abraço.

Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

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