segunda-feira, 13 de março de 2023

Capítulo 50 | Virgília Casada

Quem chegou de São Paulo foi minha prima Virgília, casada com o Lobo Neves, continuou Luis Dutra.
Ah!
E só hoje é que eu soube uma coisa, seu maganão...
Que foi?
Que você quis casar com ela.
Ideias de meu pai. Quem lhe disse isso?
Ela mesma. Falei-lhe muito em você, e ela então contou-me tudo.
No dia seguinte, estando na rua do Ouvidor, porta da tipografia do Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; só a reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte lhe haviam dado o último apuro. Cortejamo-nos; ela seguiu; entrou com o marido na carruagem, que os esperava um pouco acima; eu fiquei atônito.
Oito dias depois, encontrei-a num baile; creio que chegamos a trocar duas ou três palavras. Mas noutro baile, dado dai a um mês, em casa de uma senhora, que ornara os salões do primeiro reinado, e não desornava então os do segundo, a aproximação foi maior e mais longa, porque conversamos e valsamos. A valsa é uma deliciosa coisa. Valsamos; e não nego que, ao conchegar ao meu corpo aquele corpo flexível e magnífico, tive uma singular sensação, uma sensação de homem roubado.
Está muito calor, disse ela, logo que acabamos. Vamos ao terraço?
Não; pode constipar-se. Vamos a outra sala.
Na outra sala estava o Lobo Neves, que me fez muitos cumprimentos, acerca dos meus escritos políticos, acrescentando que nada dizia dos literários, por não entender deles; mas os políticos eram excelentes, bem pensados e bem escritos. Respondi-lhe com iguais esmeros de cortesia, e separamo-nos contentes um com o outro.
Cerca de três semanas depois recebi um convite dele para uma reunião íntima. Fui; Virgília recebeu-me com esta graciosa palavra: – O senhor hoje há de valsar comigo. – Na verdade, eu tinha fama e era valsista emérito; não admira que ela me preferisse. Valsamos uma vez, e mais outra vez. Um livro perdeu Francesca; cá foi a valsa que nos perdeu. Creio que nessa noite apertei-lhe a mão com muita força, e ela deixou-a ficar, como esquecida, e eu a abraçá-la e todos com os olhos em nós, e nos outros que também se abraçavam e giravam…
Um delírio!

Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

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