sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Aquele abraço | Gilberto Gil, 1969


A situação não poderia ser pior nem mais triste. Preso após o AI-5, em dezembro de 1968, Gilberto Gil achava que ficaria ali a vida inteira ou sumiriam com ele. Dois meses depois, quando foi libertado e recebeu a ordem para sair do Brasil, encontrou a inspiração para compor um dos mais alegres e empolgantes sambas de nossa história musical, que se transformou em um sucesso instantâneo.
Lançada em agosto de 1969 num single, “Aquele abraço” foi uma das músicas mais tocadas nas rádios brasileiras e um dos discos mais vendidos do ano, num sucesso de dimensões até então inéditas na carreira de Gil, que acompanhou tudo a distância, em Londres, num exílio que se estendeu por três anos.
Em entrevista ao compositor Carlos Rennó para o livro Todas as letras, Gil relembrou como nasceu “Aquele abraço”. Em meados de 1969, depois da prisão em São Paulo e dois meses trancado com Caetano Veloso num quartel do Exército no subúrbio carioca de Deodoro, e ainda um período de liberdade vigiada em Salvador, Gil veio ao Rio tratar com os militares a sua saída do Brasil. Na casa da mãe de Gal Costa, dona Mariah, e depois no voo de volta à Bahia, criou sua ode à Cidade Maravilhosa e sua canção de despedida. “Finalmente eu poderia sair do país e tinha que dizer bye-bye; sumarizar o episódio todo que estava vivendo numa catarse. Que outra coisa para um compositor fazer uma catarse senão numa canção?”
No seu samba, Gil exaltou o Rio de Janeiro e alguns de seus grandes símbolos pop, sem conotações políticas ou qualquer referência à prisão. No lugar do bairro de Deodoro, onde ficou preso, preferiu botar outro subúrbio da Central, Realengo, rimando com torcida do Flamengo, embora fosse torcedor do Fluminense, abraçando a Portela mesmo sendo mangueirense, saudando a Banda de Ipanema, a moça da favela, o “Velho Guerreiro”, o palhaço Chacrinha, que balançava a pança, buzinava a moça e comandava a massa. Por meio da beleza e da alegria do Rio de Janeiro, Gil mandava um abraço de despedida a “todo o povo brasileiro”, que seria fartamente retribuído ao longo dos anos até hoje.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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