Quando
mexo em papéis antigos, isto significa exteriormente alguma poeira,
e interiormente raiva de mim mesma: porque, nunca me convencendo de
que tenho má memória, copio entre aspas frases ou textos e depois,
passado um tempo, como não anotei, pensando que não esqueceria, o
nome dos autores, já não sei quem os disse. Por exemplo:
“Vemos
que aqui na Terra os opostos se misturam, que um valor positivo se
compra ao preço de um valor negativo. E, talvez, a experiência
metafísica a mais profunda – a que vem quando o ser toma
consciência do absoluto, o que lhe dá um estremecimento sagrado e
deixa-o entrever a felicidade, aquela que lhe permite o acesso ao
sobrenatural – talvez essa experiência só seja possível quando a
alma está tão deslocada que não lhe é mais possível reerguer-se
de sua ruína.”
“O
que parece incoerente à fria análise pode às vezes estar carregado
de sentido para o coração, e este o entende.”
“Não
se saberia adquirir o conhecimento intuitivo de um outro universo sem
sacrificar uma parte do entendimento que nos é necessário no mundo
presente.”
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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