Meg
e Tony levaram a esposa dele ao aeroporto. Depois que embarcaram
Dolly, pararam no bar do aeroporto para um drinque. Meg tomou um
uísque com soda. Thony, um scotch com água.
– Sua
esposa confia em você – disse Meg.
– É
– disse Tony.
– Imagino
se eu posso confiar em você.
– Não
gosta de uma foda?
– Não
é isso.
– Que
é então?
– É
que Dolly e eu somos amigas.
– Nós
podemos ser amigos.
– Não
desse jeito.
– Seja
moderna. Estamos na era moderna. As pessoas trocam. São desinibidas.
Fodem tudo. Fodem cachorro, bebê, galinha, peixe...
– Eu
gosto de escolher. Preciso me interessar.
– Isso
é tão piegas. O interesse já vem embutido. Aí, se a gente cultiva
bastante o interesse, quando menos espera está apaixonada.
– Tudo
bem, que há de errado com o amor, Tony?
– O
amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o
que faz a gente se sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode
dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você
amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.
– Tudo
bem, então devemos fazer o melhor possível.
– Certo.
Mas mesmo assim devemos entender que o amor é só o resultado de um
encontro casual. A maioria das pessoas explora isso demais. Nessa
base, uma boa foda não é de se desprezar inteiramente.
– Mas
também é o resultado de um encontro casual.
– Você
está certa, porra. Beba. Vamos tomar outro.
– Você
tem um bom papo, Tony, mas não vai dar certo.
– Bem
– disse Tony, chamando o garçom com um aceno de cabeça –, não
vou me lamentar por isso também...
Era
noite de sábado, e eles voltaram para a casa de Tony e ligaram a TV.
Não tinha muita coisa. Beberam uma Tuborg e conversaram, acima do
som do aparelho.
– Já
ouviu aquela – perguntou Tony – de que os cavalos são
inteligentes demais para apostar em pessoas?
– Não.
– Bem,
mesmo assim, é um ditado. Você não vai acreditar nisso, mas eu
tive um sonho a noite passada. Eu estava lá nos estábulos e um
cavalo veio me buscar para me exercitar. Eu tinha um macaco com os
braços e pernas passados em torno de meu pescoço, com um bafo de
vinho barato. Eram seis da manhã e soprava um vento frio das
montanhas de San Gabriel. E mais, estava nublado. Eles me fizeram
correr seiscentos metros em 52, sem forçar. Depois me fizeram
marchar por trinta minutos e me levaram de volta pra baia. Um cavalo
veio me dar dois ovos duros, grapefruit, torrada e leite. Depois, eu
estava numa corrida. Os estandes cheios de cavalos. Parecia sábado.
Eu estava no quinto páreo. Cheguei em primeiro e paguei 32 dólares
e vinte. Foi um senhor sonho, não foi?
– Ora,
ora – disse Meg. Cruzou as pernas. Usava minissaia mas sem
meia-calça. As botas cobriam as batatas das pernas. As coxas à
mostra, fartas. – Foi um senhor sonho. – Tinha trinta anos. O
batom brilhava muito de leve em seus lábios. Morena, muito morena,
cabelos compridos. Sem pó, sem perfume. Jamais tocada. Nascida na
parte norte do Maine. Sessenta quilos.
Tony
levantou-se e pegou mais duas garrafas de cerveja. Quando voltou, Meg
disse:
– Um
sonho estranho, mas muitos são. Quando coisas estranhas começam a
acontecer na vida é que a gente deve estranhar...
– Tipo?
– Tipo
meu irmão Damion. Ele vivia fuçando nos livros... misticismo, ioga,
essa merda toda. A gente entrava num quarto, e era mais provável ele
estar plantando bananeira, com o calção de jóquei, do que fazendo
qualquer outra coisa. Chegou até a fazer umas viagens pro Oriente...
Índia, mais outro lugar. Voltou com o rosto chupado e meio doido,
pesando uns quarenta quilos. Mas continuou nisso. Encontra um cara,
Ram Da Beetle, ou um nome assim. Ram Da Beetle tem uma grande tenda
perto de San Diego e cobra desses otários 175 dólares por um
seminário de cinco dias. A tenda é armada sobre um rochedo dando
para o mar. A velha com quem Beetle dorme é dona do terreno, deixa
ele usar. Damion diz que Ram Da Beetle lhe proporciona a revelação
final que ele precisava. E foi chocante. Eu estou morando num
apartamentinho em Detroit, e ele aparece e dá o choque em mim...
Tony
olhou mais acima as pernas de Meg e disse:
– O
choque de Damion? Que choque?
– Oh,
você sabe, ele simplesmente aparece... – Meg pegou sua Tuborg.
– Veio
visitar você?
– Pode-se
dizer que sim. Deixe eu dizer de uma maneira simples: Damion pode
desmaterializar o corpo dele.
– Pode?
E aí, que acontece?
– Ele
aparece em outro lugar.
– Assim,
tão simples?
– Assim,
tão simples.
– Grandes
distâncias?
– Ele
veio da Índia a Detroit, ao meu apartamento em Detroit.
– Quanto
tempo levou?
– Não
sei. Dez segundos, talvez.
– Dez
segundos... hummmm.
Ficaram
ali sentados olhando um ao outro. Meg no sofá e Tony defronte dela.
– Escuta,
Meg, você realmente me excita. Minha mulher jamais iria saber.
– Não,
Tony.
– Onde
está seu irmão agora?
– Ficou
com meu apartamento em Detroit. Trabalha na fábrica de sapatos.
– Escuta,
por que ele não entra no cofre de um banco, pega o dinheiro e dá o
fora de lá? Ele pode usar os talentos dele. Por que trabalhar numa
fábrica de sapatos?
– Ele
diz que esses talentos não podem ser usados para ajudar propósitos
maus.
– Entendo.
Escuta, Meg, vamos esquecer seu irmão.
Tony
aproximou-se e sentou-se no sofá ao lado de Meg.
– Sabe,
Meg, o que é mau e o que nos ensinam que é mau às vezes são duas
coisas muito diferentes. A sociedade nos ensina que certas coisas são
más para nos manter subservientes.
– Como
assaltar bancos?
– Como
foder sem passar pelos canais competentes.
Tony
agarrou Meg e beijou-a. Ela não resistiu. Ele tornou a beijá-la.
Ela enfiou a língua na boca dele.
– Ainda
acho que não devíamos fazer isso, Tony.
– Você
beija como se quisesse.
– Não
tenho um homem há meses, Tony. É difícil resistir, mas Dolly e eu
somos amigas. Detesto fazer isso com ela.
– Não
vai fazer isso com ela, vai fazer comigo.
– Você
sabe o que eu quero dizer.
Tony
tornou a beijá-la, desta vez um beijo longo, completo. Os corpos
comprimidos.
– Vamos
pra cama, Meg.
Ela
acompanhou-o lá para dentro. Tony começou a despir-se, jogando as
roupas sobre uma cadeira. Meg entrou no banheiro, ao lado do quarto.
Ela sentou-se e fez xixi com a porta aberta.
– Não
quero ficar grávida e não quero tomar a pílula.
– Não
se preocupe.
– Não
se preocupe por quê?
– Fiz
vasectomia.
– Todos
vocês dizem isso.
– É
verdade, fiz mesmo.
Meg
levantou-se e deu descarga.
– E
se você quiser um filho um dia?
– Não
quero um filho um dia.
– Acho
horrível um homem fazer isso.
– Oh,
pelo amor de deus, Meg, deixe de moralismo e venha pra cama.
Meg
entrou no quarto nua.
– Quer
dizer, Tony, eu acho assim que é um crime contra a natureza.
– E
o aborto? É um crime contra a natureza também?
– Claro.
É assassinato.
– E
a camisinha? E a masturbação?
– Oh,
Tony, não é a mesma coisa.
– Venha
pra cama antes que a gente morra de velhice.
Meg
foi e Tony agarrou-a. – Ah, você me dá uma boa sensação. Como
uma borracha cheia de ar.
– Onde
você arranjou essa coisa, Tony? Dolly nunca me falou dessa coisa...
e enorme!
– Por
que ela iria lhe falar?
– Tem
razão. Meta essa coisa dentro de mim!
– Espera,
espera!
– Vamos,
eu quero!
– E
Dolly? Acha que vai ser a coisa certa a fazer?
– Ela
está chorando a mãe agonizante. Não pode usar isso! Eu posso!
– Tudo
bem! Tudo bem!
Tony
montou nela e meteu.
– É
isso aí, Tony. Enterra, enterra.
Tony
enterrou. Enterrou devagar e constante, como o braço de uma bomba de
óleo. Flub, flub, flub, flub.
– Oh,
seu filho da puta! Oh, meu deus, seu filho da puta!
– Tudo
bem agora, Meg! Agora saia desta cama! Você está cometendo um crime
contra a decência nativa e a confiança!
Tony
sentiu uma mão no seu ombro e então sentiu quando foi puxado pra
fora. Virou-se e olhou para cima. Havia um homem ali parado, com uma
camiseta verde e jeans.
– Escuta,
você – disse Tony –, que diabos está fazendo em minha casa?
– É
Damion! – disse Meg.
– Se
vista, irmãzinha! A vergonha ainda irradia de vosso corpo!
– Escuta,
aqui, seu filho da puta – disse Tony, deitado na cama.
Meg
estava no banheiro, vestindo-se:
– Sinto
muito, Damion, eu sinto muito!
– Vejo
que cheguei de Detroit bem a tempo – disse Damion. – Mais alguns
minutos, e chegaria tarde demais.
– Mais
dez segundos – disse Tony.
– É
melhor você se vestir também, meu caro – disse Damion, baixando o
olhar para Tony.
– Nossa
– disse Tony –, acontece que eu moro aqui. Não sei quem deixou
você entrar. Mas imagino que se quiser ficar aqui de colhões de
fora, tenho o direito.
– Depressa,
Meg – disse Damion –, eu tiro você deste antro de pecado.
– Escuta,
mamãe – disse Tony, levantando-se e enfiando-se nas cuecas –,
sua irmã queria, eu queria, e isso faz dois votos a um.
– Ta-ta
– disse Damion.
– Ta-ta
coisa nenhuma – disse Tony. – Ela estava para descarregar, e eu
também, e você irrompe aqui e interfere numa decisão democrática,
impedindo uma boa e anacrônica foda normal!
– Pegue
suas coisas, Meg. Vou levar você pra casa imediatamente.
– Sim,
Damion.
– Estou
com vontade de estourar você, seu empata-foda!
– Por
favor, contenha-se. Eu detesto violência!
Tony
balançou-se, Damion desapareceu.
– Aqui,
Tony.
Damion
estava de pé na porta do banheiro. Tony lançou-se contra ele, que
tornou a desaparecer.
– Aqui,
Tony.
Estava
de pé em cima da cama, de sapatos e tudo.
Tony
lançou-se do outro lado do quarto, saltou, não encontrou nada na
cama e caiu no chão. Levantou-se e olhou em volta.
– Damion,
oh, Damion, seu merda, seu moleque, Superman de fábrica de sapatos,
onde está você? Oh, Damion! Aqui, Damion! Venha, Damion!
Tony
sentiu a porrada na nuca. Seguiu-se um lampejo vermelho, e o débil
som de um trumpete tocando. Depois ele caiu de cara no tapete.
Foi
o telefone que o trouxe de volta à consciência algum tempo depois.
Conseguiu chegar à mesinha de cabeceira onde estava o aparelho,
levantou o fone e desabou na cama.
– Tony?
– Sim?
– É
Tony?
– Sim.
– Aqui
é Dolly.
– Oi,
Dolly, que é que há, Dolly?
– Não
faça piada, Tony. Mamãe morreu.
– Mamãe?
– Sim,
minha mãe. Esta noite.
– Sinto
muito.
– Vou
ficar para o enterro. Volto depois do enterro.
Tony
desligou. Viu o jornal da manhã no chão. Pegou-o e estendeu-se na
cama. A guerra nas Falklands continuava. Os dois lados acusavam
violações disso e daquilo. Ainda trocavam tiros. Aquela maldita
guerra nunca ia acabar?
Tony
levantou-se e foi à cozinha. Encontrou um pouco de salame e pasta de
fígado na geladeira. Fez um sanduíche de salame e pasta de fígado
com mostarda apimentada, tempero, cebola e tomate. Ainda havia uma
garrafa de Tuborg. Ele bebeu e comeu o sanduíche à mesa de
desjejum. Depois acendeu um cigarro e ficou ali pensando, bem, talvez
a velha tivesse deixado algum dinheiro, seria legal, seria legal pra
burro. Um cara precisava de um pouco de sorte depois de uma noite
dura como aquela.
Charles Bukowski, in Numa Fria
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