sábado, 23 de julho de 2022

Braçadas para o meio do nada


Meg e Tony levaram a esposa dele ao aeroporto. Depois que embarcaram Dolly, pararam no bar do aeroporto para um drinque. Meg tomou um uísque com soda. Thony, um scotch com água.
Sua esposa confia em você – disse Meg.
É – disse Tony.
Imagino se eu posso confiar em você.
Não gosta de uma foda?
Não é isso.
Que é então?
É que Dolly e eu somos amigas.
Nós podemos ser amigos.
Não desse jeito.
Seja moderna. Estamos na era moderna. As pessoas trocam. São desinibidas. Fodem tudo. Fodem cachorro, bebê, galinha, peixe...
Eu gosto de escolher. Preciso me interessar.
Isso é tão piegas. O interesse já vem embutido. Aí, se a gente cultiva bastante o interesse, quando menos espera está apaixonada.
Tudo bem, que há de errado com o amor, Tony?
O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz a gente se sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.
Tudo bem, então devemos fazer o melhor possível.
Certo. Mas mesmo assim devemos entender que o amor é só o resultado de um encontro casual. A maioria das pessoas explora isso demais. Nessa base, uma boa foda não é de se desprezar inteiramente.
Mas também é o resultado de um encontro casual.
Você está certa, porra. Beba. Vamos tomar outro.
Você tem um bom papo, Tony, mas não vai dar certo.
Bem – disse Tony, chamando o garçom com um aceno de cabeça –, não vou me lamentar por isso também...
Era noite de sábado, e eles voltaram para a casa de Tony e ligaram a TV. Não tinha muita coisa. Beberam uma Tuborg e conversaram, acima do som do aparelho.
Já ouviu aquela – perguntou Tony – de que os cavalos são inteligentes demais para apostar em pessoas?
Não.
Bem, mesmo assim, é um ditado. Você não vai acreditar nisso, mas eu tive um sonho a noite passada. Eu estava lá nos estábulos e um cavalo veio me buscar para me exercitar. Eu tinha um macaco com os braços e pernas passados em torno de meu pescoço, com um bafo de vinho barato. Eram seis da manhã e soprava um vento frio das montanhas de San Gabriel. E mais, estava nublado. Eles me fizeram correr seiscentos metros em 52, sem forçar. Depois me fizeram marchar por trinta minutos e me levaram de volta pra baia. Um cavalo veio me dar dois ovos duros, grapefruit, torrada e leite. Depois, eu estava numa corrida. Os estandes cheios de cavalos. Parecia sábado. Eu estava no quinto páreo. Cheguei em primeiro e paguei 32 dólares e vinte. Foi um senhor sonho, não foi?
Ora, ora – disse Meg. Cruzou as pernas. Usava minissaia mas sem meia-calça. As botas cobriam as batatas das pernas. As coxas à mostra, fartas. – Foi um senhor sonho. – Tinha trinta anos. O batom brilhava muito de leve em seus lábios. Morena, muito morena, cabelos compridos. Sem pó, sem perfume. Jamais tocada. Nascida na parte norte do Maine. Sessenta quilos.
Tony levantou-se e pegou mais duas garrafas de cerveja. Quando voltou, Meg disse:
Um sonho estranho, mas muitos são. Quando coisas estranhas começam a acontecer na vida é que a gente deve estranhar...
Tipo?
Tipo meu irmão Damion. Ele vivia fuçando nos livros... misticismo, ioga, essa merda toda. A gente entrava num quarto, e era mais provável ele estar plantando bananeira, com o calção de jóquei, do que fazendo qualquer outra coisa. Chegou até a fazer umas viagens pro Oriente... Índia, mais outro lugar. Voltou com o rosto chupado e meio doido, pesando uns quarenta quilos. Mas continuou nisso. Encontra um cara, Ram Da Beetle, ou um nome assim. Ram Da Beetle tem uma grande tenda perto de San Diego e cobra desses otários 175 dólares por um seminário de cinco dias. A tenda é armada sobre um rochedo dando para o mar. A velha com quem Beetle dorme é dona do terreno, deixa ele usar. Damion diz que Ram Da Beetle lhe proporciona a revelação final que ele precisava. E foi chocante. Eu estou morando num apartamentinho em Detroit, e ele aparece e dá o choque em mim...
Tony olhou mais acima as pernas de Meg e disse:
O choque de Damion? Que choque?
Oh, você sabe, ele simplesmente aparece... – Meg pegou sua Tuborg.
Veio visitar você?
Pode-se dizer que sim. Deixe eu dizer de uma maneira simples: Damion pode desmaterializar o corpo dele.
Pode? E aí, que acontece?
Ele aparece em outro lugar.
Assim, tão simples?
Assim, tão simples.
Grandes distâncias?
Ele veio da Índia a Detroit, ao meu apartamento em Detroit.
Quanto tempo levou?
Não sei. Dez segundos, talvez.
Dez segundos... hummmm.
Ficaram ali sentados olhando um ao outro. Meg no sofá e Tony defronte dela.
Escuta, Meg, você realmente me excita. Minha mulher jamais iria saber.
Não, Tony.
Onde está seu irmão agora?
Ficou com meu apartamento em Detroit. Trabalha na fábrica de sapatos.
Escuta, por que ele não entra no cofre de um banco, pega o dinheiro e dá o fora de lá? Ele pode usar os talentos dele. Por que trabalhar numa fábrica de sapatos?
Ele diz que esses talentos não podem ser usados para ajudar propósitos maus.
Entendo. Escuta, Meg, vamos esquecer seu irmão.
Tony aproximou-se e sentou-se no sofá ao lado de Meg.
Sabe, Meg, o que é mau e o que nos ensinam que é mau às vezes são duas coisas muito diferentes. A sociedade nos ensina que certas coisas são más para nos manter subservientes.
Como assaltar bancos?
Como foder sem passar pelos canais competentes.
Tony agarrou Meg e beijou-a. Ela não resistiu. Ele tornou a beijá-la. Ela enfiou a língua na boca dele.
Ainda acho que não devíamos fazer isso, Tony.
Você beija como se quisesse.
Não tenho um homem há meses, Tony. É difícil resistir, mas Dolly e eu somos amigas. Detesto fazer isso com ela.
Não vai fazer isso com ela, vai fazer comigo.
Você sabe o que eu quero dizer.
Tony tornou a beijá-la, desta vez um beijo longo, completo. Os corpos comprimidos.
Vamos pra cama, Meg.
Ela acompanhou-o lá para dentro. Tony começou a despir-se, jogando as roupas sobre uma cadeira. Meg entrou no banheiro, ao lado do quarto. Ela sentou-se e fez xixi com a porta aberta.
Não quero ficar grávida e não quero tomar a pílula.
Não se preocupe.
Não se preocupe por quê?
Fiz vasectomia.
Todos vocês dizem isso.
É verdade, fiz mesmo.
Meg levantou-se e deu descarga.
E se você quiser um filho um dia?
Não quero um filho um dia.
Acho horrível um homem fazer isso.
Oh, pelo amor de deus, Meg, deixe de moralismo e venha pra cama.
Meg entrou no quarto nua.
Quer dizer, Tony, eu acho assim que é um crime contra a natureza.
E o aborto? É um crime contra a natureza também?
Claro. É assassinato.
E a camisinha? E a masturbação?
Oh, Tony, não é a mesma coisa.
Venha pra cama antes que a gente morra de velhice.
Meg foi e Tony agarrou-a. – Ah, você me dá uma boa sensação. Como uma borracha cheia de ar.
Onde você arranjou essa coisa, Tony? Dolly nunca me falou dessa coisa... e enorme!
Por que ela iria lhe falar?
Tem razão. Meta essa coisa dentro de mim!
Espera, espera!
Vamos, eu quero!
E Dolly? Acha que vai ser a coisa certa a fazer?
Ela está chorando a mãe agonizante. Não pode usar isso! Eu posso!
Tudo bem! Tudo bem!
Tony montou nela e meteu.
É isso aí, Tony. Enterra, enterra.
Tony enterrou. Enterrou devagar e constante, como o braço de uma bomba de óleo. Flub, flub, flub, flub.
Oh, seu filho da puta! Oh, meu deus, seu filho da puta!
Tudo bem agora, Meg! Agora saia desta cama! Você está cometendo um crime contra a decência nativa e a confiança!
Tony sentiu uma mão no seu ombro e então sentiu quando foi puxado pra fora. Virou-se e olhou para cima. Havia um homem ali parado, com uma camiseta verde e jeans.
Escuta, você – disse Tony –, que diabos está fazendo em minha casa?
É Damion! – disse Meg.
Se vista, irmãzinha! A vergonha ainda irradia de vosso corpo!
Escuta, aqui, seu filho da puta – disse Tony, deitado na cama.
Meg estava no banheiro, vestindo-se:
Sinto muito, Damion, eu sinto muito!
Vejo que cheguei de Detroit bem a tempo – disse Damion. – Mais alguns minutos, e chegaria tarde demais.
Mais dez segundos – disse Tony.
É melhor você se vestir também, meu caro – disse Damion, baixando o olhar para Tony.
Nossa – disse Tony –, acontece que eu moro aqui. Não sei quem deixou você entrar. Mas imagino que se quiser ficar aqui de colhões de fora, tenho o direito.
Depressa, Meg – disse Damion –, eu tiro você deste antro de pecado.
Escuta, mamãe – disse Tony, levantando-se e enfiando-se nas cuecas –, sua irmã queria, eu queria, e isso faz dois votos a um.
Ta-ta – disse Damion.
Ta-ta coisa nenhuma – disse Tony. – Ela estava para descarregar, e eu também, e você irrompe aqui e interfere numa decisão democrática, impedindo uma boa e anacrônica foda normal!
Pegue suas coisas, Meg. Vou levar você pra casa imediatamente.
Sim, Damion.
Estou com vontade de estourar você, seu empata-foda!
Por favor, contenha-se. Eu detesto violência!
Tony balançou-se, Damion desapareceu.
Aqui, Tony.
Damion estava de pé na porta do banheiro. Tony lançou-se contra ele, que tornou a desaparecer.
Aqui, Tony.
Estava de pé em cima da cama, de sapatos e tudo.
Tony lançou-se do outro lado do quarto, saltou, não encontrou nada na cama e caiu no chão. Levantou-se e olhou em volta.
Damion, oh, Damion, seu merda, seu moleque, Superman de fábrica de sapatos, onde está você? Oh, Damion! Aqui, Damion! Venha, Damion!
Tony sentiu a porrada na nuca. Seguiu-se um lampejo vermelho, e o débil som de um trumpete tocando. Depois ele caiu de cara no tapete.

Foi o telefone que o trouxe de volta à consciência algum tempo depois. Conseguiu chegar à mesinha de cabeceira onde estava o aparelho, levantou o fone e desabou na cama.
Tony?
Sim?
É Tony?
Sim.
Aqui é Dolly.
Oi, Dolly, que é que há, Dolly?
Não faça piada, Tony. Mamãe morreu.
Mamãe?
Sim, minha mãe. Esta noite.
Sinto muito.
Vou ficar para o enterro. Volto depois do enterro.
Tony desligou. Viu o jornal da manhã no chão. Pegou-o e estendeu-se na cama. A guerra nas Falklands continuava. Os dois lados acusavam violações disso e daquilo. Ainda trocavam tiros. Aquela maldita guerra nunca ia acabar?
Tony levantou-se e foi à cozinha. Encontrou um pouco de salame e pasta de fígado na geladeira. Fez um sanduíche de salame e pasta de fígado com mostarda apimentada, tempero, cebola e tomate. Ainda havia uma garrafa de Tuborg. Ele bebeu e comeu o sanduíche à mesa de desjejum. Depois acendeu um cigarro e ficou ali pensando, bem, talvez a velha tivesse deixado algum dinheiro, seria legal, seria legal pra burro. Um cara precisava de um pouco de sorte depois de uma noite dura como aquela.

Charles Bukowski, in Numa Fria

Nenhum comentário:

Postar um comentário