No
jogo de decisão do campeonato, Eváglio torceu pelo Atlético
Mineiro, não porque fosse atleticano ou mineiro, mas porque receava
o carnaval nas ruas se o Flamengo vencesse. Visitava um amigo em
bairro distante, nenhum dos dois tem carro, e ele previa que a volta
seria problema.
O
Flamengo triunfou, e Eváglio deixou de ser atleticano para detestar
todos os clubes de futebol, que perturbam a vida urbana com suas
vitórias. Saindo em busca de táxi inexistente, acabou se metendo
num ônibus em que não cabia mais ninguém, e havia duas bandeiras
rubro-negras para cada passageiro. E não eram bandeiras pequenas nem
torcedores exaustos: estes parecia terem guardado a capacidade de
grito para depois da vitória.
Eváglio
sentiu-se dentro do Maracanã, até mesmo dentro da bola chutada por
quarenta e quatro pés. A bola era ele, embora ninguém reparasse
naquela esfera humana que ansiava por tornar a ser gente a caminho de
casa.
Lembrando-se
de que torcera pelo vencido, teve medo, para não dizer terror. Se
lessem em seu íntimo o segredo, estava perdido. Mas todos cantavam,
sambavam com alegria tão pura que ele próprio começou a sentir um
pouco de flamengo dentro de si. Era o canto? Eram braços e pernas
falando além da boca? A emanação de entusiasmo o contagiava e
transformava. Marcou com a cabeça o acompanhamento da música. Abriu
os lábios, simulando cantar. Cantou. Ao dar fé de si, disputava à
morena frenética a posse de uma bandeira. Queria enrolar-se no pano
para exteriorizar o ser partidário que pulava em suas entranhas. A
moça, em vez de ceder o troféu, abraçou-se com Eváglio e beijou-o
na boca. Estava batizado, crismado e ungido: uma vez flamengo, sempre
flamengo.
O
pessoal desceu na Gávea, empurrando Eváglio para descer também e
continuar a festa, mas Eváglio mora em Ipanema, e já com o pé no
estribo se lembrou. Loucura continuar flamengo a noite inteira à
base de chope, caipirinha, batucada e o mais. Segurou firme na porta,
gritou: “Eu volto, gente! Vou só trocar de roupa” e, não se
sabe como, chegou intacto ao lar, já sem compromisso clubista.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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