domingo, 29 de outubro de 2017

O árbitro


O árbitro é arbitrário por definição. Este é o abominável tirano que exerce sua ditadura sem oposição possível e o verdugo afetado que exerce seu poder absoluto com gestos de ópera. Apito na boca, o árbitro sopra os ventos da fatalidade do destino e confirma ou anula os gols. Cartão na mão, levanta as cores da condenação: o amarelo, que castiga o pecador e o obriga ao arrependimento, ou o vermelho, que o manda para o exílio.
Os bandeirinhas, que ajudam, mas não mandam, olham de fora. Só o árbitro entra em campo; e com toda razão se benze ao entrar, assim que surge diante da multidão que ruge. Seu trabalho consiste em se fazer odiar. Única unanimidade do futebol: todos o odeiam. É vaiado sempre, jamais é aplaudido.
Ninguém corre mais do que ele. É o único obrigado a correr o tempo todo. Este intruso que ofega sem descanso entre os vinte e dois jogadores galopa como um cavalo, e a recompensa por tanto sacrifício é a multidão que exige sua cabeça. Do princípio ao fim de cada partida, suando em bicas, o árbitro é obrigado a seguir a bola branca que vai e vem entre os pés alheios. É evidente que adoraria brincar com ela, mas nunca essa graça lhe foi concedida. Quando a bola, por acidente, bate em seu corpo, todo o público lembra de sua mãe. E, no entanto, pelo simples fato de estar ali, no sagrado espaço verde onde a bola gira e voa, ele aguenta insultos, vaias, pedradas e maldições.
Às vezes, raras vezes, alguma decisão do árbitro coincide com a vontade do torcedor, mas nem assim consegue provar sua inocência. Os derrotados perdem por causa dele e os vitoriosos ganham apesar dele. Álibi de todos os erros, explicação para todas as desgraças, as torcidas teriam que inventá-lo se ele não existisse. Quanto mais o odeiam, mais precisam dele.
Durante mais de um século, o árbitro vestiu-se de luto. Por quem? Por ele. Agora, disfarça com cores.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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