Muitos
anos antes, quando ainda ela era menina, ele tinha dito:
— Desça
mais, Susana, e me diga o que está vendo.
Estava
pendurada naquela corda que machucava sua cintura, sangrava as suas
mãos; mas que não queria soltar: era como se fosse o único fio que
a unia ao mundo lá de fora.
— Não
vejo nada, papai.
—
Procura
bem, Susana. Faz por encontrar alguma coisa.
E
a iluminou com sua lamparina.
— Não
vejo nada, papai.
— Vou descer você mais. Avisa quando chegar no
chão.
Tinha
entrado por um pequeno buraco aberto no meio das tábuas. Havia
caminhado sobre tábuas apodrecidas, velhas, quebradas e cheias de
terra pegajosa:
— Desça
mais, Susana, que você encontra o que estou dizendo.
E
ela desceu e desceu balançando, ondulando na profundeza, com seus
pés bamboleando sem ter onde os pôr.
— Mais
para baixo, Susana. Mais para baixo. Diga se está vendo alguma
coisa.
E
quando encontrou apoio permaneceu ali, calada, porque emudeceu de
medo. A lamparina circulava e a luz passava ao largo perto dela. E o
grito lá do alto a estremecia:
—
Susana, me dá aquilo ali!
E
ela agarrou a caveira nas mãos e, quando a luz bateu em cheio,
soltou-a.
— É
uma caveira de morto — disse.
— Deve
ter mais alguma coisa ao lado dela. Quero que você me dê tudo que
encontrar.
O
cadáver se desfez em ossos; a queixada soltou-se como se fosse de
açúcar. Foi dando a ele pedaço a pedaço até que chegou aos dedos
dos pés e entregou falange por falange. E a caveira, primeiro;
aquela bola redonda que se desfez entre suas mãos.
—
Procura mais um pouco, Susana. Dinheiro.
Rodelas redondas de ouro. Procura, Susana.
Então
ela não soube dela, a não ser muitos dias depois no meio do gelo,
no meio do olhar de gelo de seu pai.
Por
isso dava risada agora:
—
Adivinhei que era você, Bartolomé.
E
a coitada da Justina, que chorava sobre seu coração, precisou
levantar-se ao ver que ela ria e que seu riso se transformava em
gargalhada.
Lá
fora continuava chovendo. Os índios tinham ido embora. Era
segunda-feira e o vale de Comala continuava empapando-se de chuva.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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