domingo, 29 de outubro de 2017

O único fio que a unia ao mundo lá de fora


Muitos anos antes, quando ainda ela era menina, ele tinha dito:
Desça mais, Susana, e me diga o que está vendo.
Estava pendurada naquela corda que machucava sua cintura, sangrava as suas mãos; mas que não queria soltar: era como se fosse o único fio que a unia ao mundo lá de fora.
Não vejo nada, papai.
Procura bem, Susana. Faz por encontrar alguma coisa.
E a iluminou com sua lamparina.
Não vejo nada, papai. 
— Vou descer você mais. Avisa quando chegar no chão.
Tinha entrado por um pequeno buraco aberto no meio das tábuas. Havia caminhado sobre tábuas apodrecidas, velhas, quebradas e cheias de terra pegajosa:
Desça mais, Susana, que você encontra o que estou dizendo.
E ela desceu e desceu balançando, ondulando na profundeza, com seus pés bamboleando sem ter onde os pôr.
Mais para baixo, Susana. Mais para baixo. Diga se está vendo alguma coisa.
E quando encontrou apoio permaneceu ali, calada, porque emudeceu de medo. A lamparina circulava e a luz passava ao largo perto dela. E o grito lá do alto a estremecia:
Susana, me dá aquilo ali!
E ela agarrou a caveira nas mãos e, quando a luz bateu em cheio, soltou-a.
É uma caveira de morto — disse.
Deve ter mais alguma coisa ao lado dela. Quero que você me dê tudo que encontrar.
O cadáver se desfez em ossos; a queixada soltou-se como se fosse de açúcar. Foi dando a ele pedaço a pedaço até que chegou aos dedos dos pés e entregou falange por falange. E a caveira, primeiro; aquela bola redonda que se desfez entre suas mãos.
Procura mais um pouco, Susana. Dinheiro. Rodelas redondas de ouro. Procura, Susana.
Então ela não soube dela, a não ser muitos dias depois no meio do gelo, no meio do olhar de gelo de seu pai.
Por isso dava risada agora:
Adivinhei que era você, Bartolomé.
E a coitada da Justina, que chorava sobre seu coração, precisou levantar-se ao ver que ela ria e que seu riso se transformava em gargalhada.
Lá fora continuava chovendo. Os índios tinham ido embora. Era segunda-feira e o vale de Comala continuava empapando-se de chuva.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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