Havendo
meditado profundamente sobre a afirmação do poeta Hölderlin — “a
linguagem é o mais perigoso de todos os bens” —, o sr. Saturnino
deliberou recolher-se à mudez total. Sua boca não pronunciou mais
um monossílabo.
A
família sentiu que não havia argumento ou artifício capaz de
devolvê-lo ao mundo dos sons, e por sua vez foi ficando calada. No
fim de seis meses ninguém falava naquela casa. Nem as moscas
zumbiam.
A
história da família silenciosa provocou certa curiosidade, mas
outros seis meses se passaram, e não se prestou mais atenção
naquilo. Saturnino e família foram esquecidos.
Não
pediam, não reclamavam, não pleiteavam nada. Ultimamente nem saíam
de casa. A casa não se abria. O fiscal de arrecadação, por força
de lei, bateu à porta para intimar Saturnino a pagar com multa os
impostos. A porta abriu-se sem ranger e lá dentro foram encontrados
Saturnino e seus familiares transformados no advérbio jamais.
Carlos
Drummond de Andrade,
in Contos
plausíveis
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