quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Divagando sobre tolices

Depois de esporádicas e perplexas meditações sobre o cosmos, cheguei a várias conclusões óbvias (o óbvio é muito importante: garante certa veracidade). Em primeiro lugar concluí que há o infinito, isto é, o infinito não é uma abstração matemática, mas algo que existe. Nós estamos tão longe de compreender o mundo que nossa cabeça não consegue raciocinar senão à base de finitos. Depois me ocorreu que se o cosmos fosse finito, eu de novo teria um problema nas mãos: pois, depois do finito, o que começaria? Depois cheguei à conclusão, muito humilde minha, de que Deus é o infinito. Nessas minhas divagações também me dei conta do pouco que sabia, e isso resultou numa alegria: a da esperança. Explico-me: o pouco que sei não dá para compreender a vida, então a explicação está no que desconheço e que tenho a esperança de poder vir a conhecer um pouco mais.
O belo do infinito é que não existe um adjetivo sequer que se possa usar para defini-lo. Ele é, apenas isso: é. Nós nos ligamos ao infinito através do inconsciente. Nosso inconsciente é infinito.
O infinito não esmaga, pois em relação a ele não se pode sequer falar em grandeza ou mesmo em incomensurabilidade. O que se pode fazer é aderir ao infinito. Sei o que é o absoluto porque existo e sou relativa. Minha ignorância é realmente a minha esperança: não sei adjetivar. O que é uma segurança. A adjetivação é uma qualidade, e o inconsciente, como o infinito, não tem qualidades nem quantidades. Eu respiro o infinito. Olhando para o céu, fico tonta de mim mesma.
O absoluto é de uma beleza indescritível e inimaginável pela mente humana. Nós aspiramos a essa beleza. O sentimento de beleza é o nosso elo com o infinito. É o modo como podemos aderir a ele. Há momentos, embora raros, em que a existência do infinito é tão presente que temos uma sensação de vertigem. O infinito é um vir a ser. É sempre o presente, indivisível pelo tempo. Infinito é o tempo. Espaço e tempo são a mesma coisa. Que pena eu não entender de física e de matemática para poder, nessa minha divagação gratuita, pensar melhor e ter o vocabulário adequado para a transmissão do que sinto.
Espanta-me a nossa fertilidade: o homem chegou com os séculos a dividir o tempo em estações do ano. Chegou mesmo a tentar dividir o infinito em dias, meses, anos, pois o infinito pode constranger muito e confranger o coração. E, diante da angústia, trazemos o infinito até o âmbito de nossa consciência e o organizamos em forma humana simplificada. Sem essa forma ou outra qualquer de organização, nosso consciente seria uma vertigem perigosa como a loucura. Ao mesmo tempo, para a mente humana, é uma fonte de prazer a eternidade do infinito: nós, sem entendê-lo, compreendemos. E, sem entender, vivemos. Nossa vida é apenas um modo do infinito. Ou melhor: o infinito não tem modos. Qual a forma mais adequada para que o consciente açambarque o infinito? Pois quanto ao inconsciente, como já foi dito, este o admite pela simples razão de também sê-lo. Será que entenderíamos melhor o infinito se desenhássemos um círculo? Errei. O círculo é uma forma perfeita mas que pertence à nossa mente humana, restrita pela sua própria natureza. Pois na verdade até o círculo seria um adjetivo inútil para o infinito. Um dos equívocos naturais nossos é achar que, a partir de nós, é o infinito. Nós não conseguimos pensar no existo sem tomarmos como ponto de vista o a partir de nós.
Para falar a verdade, já me perdi e nem sei mais do que estou falando. Bem, tenho mais o que fazer do que escrever tolices sobre o infinito. É, por exemplo, hora do almoço e a empregada avisou que já está servido. Era mesmo tempo de parar.
Clarice Lispector, in Aprendendo a viver

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