Outro
dia eu estava folheando uma revista de arquitetura. Como são bonitas
essas casas modernas; o risco é ousado e às vezes lindo, as salas
são claras, parecem jardins com teto, o arquiteto faz escultura em
cimento armado e a gente vive dentro da escultura e da paisagem.
Um
amigo meu quis reformar seu apartamento e chamou um arquiteto novo.
O
rapaz disse: “vamos tirar esta parede e também aquela; você
ficará com uma sala ampla e cheia de luz. Esta porta podemos
arrancar; para que porta aqui? E esta outra parede vamos substituir
por vidro; a casa ficará mais clara e mais alegre.” E meu amigo
tinha um ar feliz.
Eu
estava bebendo a um canto, e fiquei em silêncio. Pensei nas casinhas
que vira na revista e na reforma que meu amigo ia fazer em seu velho
apartamento. E cheguei à conclusão de que estou velho mesmo.
Porque
a casa que eu não tenho, eu a quero cercada de muros altos, e quero
as paredes bem grossas e quero muitas paredes, e dentro da casa
muitas portas com trincos e trancas; e um quarto bem escuro para
esconder meus segredos e outro para esconder minha solidão.
Pode
haver uma janela alta de onde eu veja o céu e o mar, mas deve haver
um canto bem sossegado em que eu possa ficar sozinho, quieto,
pensando minhas coisas, um canto sossegado onde um dia eu possa
morrer.
A
mocidade pode viver nessas alegres barracas de cimento, nós
precisamos de sólidas fortalezas; a casa deve ser antes de tudo o
asilo inviolável do cidadão triste; onde ele possa bradar, sem medo
nem vergonha, o nome de sua amada: Joana, JOANA! — certo de que
ninguém ouvirá; casa é o lugar de andar nu de corpo e de alma, e
sítio para falar sozinho.
Onde
eu, que não sei desenhar, possa levar dias tentando traçar na
parede o perfil de minha amada, sem que ninguém veja e sorria; onde
eu, que não sei fazer versos, possa improvisar canções em alta voz
para o meu amor; onde eu, que não tenho crença, possa rezar a
divindades ocultas, que são apenas minhas.
Casa
deve ser a preparação para o segredo maior do túmulo.
Rubem
Braga, in Ai de ti, Copacabana
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