“A nossa crença na realidade da vida e na realidade
do mundo não são, com efeito, a mesma coisa. A segunda provém basicamente da
permanência e da durabilidade do mundo, bem superiores às da vida mortal. Se o
homem soubesse que o mundo acabaria quando ele morresse, ou logo depois, esse
mundo perderia toda a sua realidade, como a perdeu para os antigos cristãos, na
medida em que estes estavam convencidos de que as suas expectativas
escatológicas seriam imediatamente realizadas. A confiança na realidade da vida,
pelo contrário, depende quase exclusivamente da intensidade com que a vida
é experimentada, do impacto com que ela se faz sentir.
Esta
intensidade é tão grande e a sua força é tão elementar que, onde quer que
prevaleça, na alegria ou na dor, oblitera qualquer outra realidade mundana. Já
se observou muitas vezes que aquilo que a vida dos ricos perde em vitalidade,
em intimidade com as “boas coisas” da natureza, ganha em refinamento, em
sensibilidade às coisas belas do mundo. O fato é que a capacidade humana de
vida no mundo implica sempre uma capacidade de transcender e alienar-se dos
processos da própria vida, enquanto a vitalidade e o vigor só podem ser conservados na medida em
que os homens se disponham a arcar com o ônus, as fadigas e as penas da vida”.
Hannah
Arendt, in A Condição Humana
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