quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

O corvo e a raposa

É fama que estava o corvo
Sobre uma árvore pousado
E que no sôfrego bico
Tinha um queijo atravessado.

Pelo faro, àquele sítio
Veio a raposa matreira,
A qual, pouco mais ou menos,
Lhe falou desta maneira:

Bons dias, meu lindo corvo;
És glória desta espessura;
És outra fénix, se acaso
Tens a voz como a figura.

A tais palavras, o corvo,
Com louca, estranha afouteza,
Por mostrar que é bom solista
Abre o bico e solta a presa.

Lança-lhe a mestra o gadanho
E diz: – Meu amigo, aprende
Como vive o lisonjeiro
À custa de quem o atende.

Esta lição vale um queijo;
Tem destas para teu uso.
Rosna então consigo o corvo
Envergonhado e confuso:

Velhaca, deixou-me em branco;
Fui tolo em fiar-me dela;
Mas este logro me livra
De cair noutra esparrela.

Bocage, em Obras poéticas

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