quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

À uma da madrugada


Enfim! sozinho! Só se ouve o rolar de alguns fiacres atrasados e derreados. Durante algumas horas possuiremos o silêncio, quando não o repouso. Enfim! a tirania da face humana desapareceu, e só sofrerei graças a mim mesmo.
Enfim! é-me permitido então relaxar num banho de trevas! Primeiro, uma volta dupla na fechadura. Parece-me que essa volta da chave aumentará minha solidão e fortalecerá as barricadas que me separam atualmente do mundo.
Horrível vida! Horrível cidade! Recapitulemos o dia: ter visto vários homens de letras, um dos quais me perguntou se se podia ir à Rússia por via terrestre (sem dúvida tomava a Rússia por uma ilha); ter discutido generosamente com o diretor de uma revista, que a cada objeção respondia: “Este é o partido dos cavalheiros”, o que implica que todos os outros jornais são redigidos por tratantes; ter cumprimentado umas vinte pessoas, das quais quinze me são desconhecidas; ter distribuído apertos de mão na mesma proporção, e isso sem ter tomado a precaução de comprar luvas; para matar o tempo durante uma chuvarada, ter subido até a morada de uma dançarina que me pediu para lhe desenhar um traje de Vénustre; ter cortejado um diretor de teatro, que me disse ao se despedir de mim: “O senhor talvez faça bem de se dirigir a Z.; é o mais pesado, o mais tolo e o mais célebre de todos os meus autores, com ele o senhor poderia talvez chegar a alguma coisa. Encontre-o, e depois veremos”; ter me gabado (por quê?) de várias baixas ações que nunca cometi e ter covardemente negado alguns outros malfeitos que realizei com alegria — delito de fanfarronada, crime de respeito humano; ter recusado a um amigo um favor fácil e dado uma recomendação escrita a um perfeito inescrupuloso; ufa! Acabou?
Insatisfeito com todos e insatisfeito comigo, eu queria redimir-me e orgulhar-me um pouco no silêncio e na solidão da noite. Almas daqueles que amei, almas daqueles que cantei, fortaleçam-me, apoiem-me, afastem de mim a mentira e os vapores corruptores do mundo, e vós, Senhor meu Deus! concedei-me a graça de produzir alguns belos versos que provem a mim mesmo que não sou o último dos homens, que não sou inferior àqueles que desprezo!

Charles Baudelaire, em O spleen de Paris – Pequenos poemas em prosa

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